Fim da Cracolândia é triunfo da cidadania

Ação coordenada da Prefeitura e do governo do Estado, unindo repressão ao tráfico e atendimento médico e social, parece finalmente ter acabado com uma das maiores chagas sociais de SP


O Estado de S.Paulo

A Cracolândia, como cena aberta e permanente de consumo de drogas no centro de São Paulo, acabou. Aquele cenário deplorável que por muitos anos degradou uma das regiões mais importantes da cidade – com milhares de dependentes químicos vagando à mercê da exploração de sua miséria física e psíquica por criminosos – parece ter ficado no passado. A transformação é visível, como este jornal verificou em recente reportagem. O que hoje se vê nas ruas outrora tomadas pelo chamado “fluxo” é outra realidade – resultado, deve-se reconhecer e aplaudir, de ações firmes e coordenadas do governo do Estado e da prefeitura da capital paulista.

Isso não é obra do acaso, mas de políticas públicas bem executadas. Em maio, o fluxo de usuários simplesmente sumiu da Rua dos Protestantes. A súbita ausência dos dependentes químicos surpreendeu moradores e comerciantes da região, acostumados à rotina de medo, sujeira e desordem. Desde então, o que restou foram pequenos grupos de dependentes dispersos, cuja eventual aglomeração é rapidamente desfeita pela polícia a partir do monitoramento das câmeras de segurança dos programas Smart Sampa (do Município) e Muralha Paulista (do Estado). E, de todo modo, essa situação não é nada remotamente comparável à massa humana que ocupava quarteirões inteiros da Rua Helvétia e da Praça Princesa Isabel, entre outros logradouros.

Isso atesta o acerto da estratégia do governador Tarcísio de Freitas e do prefeito Ricardo Nunes, que combinou firmeza policial e acolhimento médico-social – uma abordagem multidisciplinar que, à luz dos fatos, é inédita em São Paulo. O resultado é visível, seja na paisagem urbana, seja nos dados. De acordo com o governo paulista, a maioria dos usuários que integravam o antigo fluxo está internada para tratamento de reabilitação em hospitais especializados ou faz parte de comunidades terapêuticas.

Mas não resta dúvida de que o fator decisivo para o fim da Cracolândia foi a ação policial de inteligência e repressão ao tráfico de drogas. A Cracolândia nunca foi apenas uma questão social. Era, antes de tudo, um mercado de drogas ao ar livre controlado a ferro e fogo pelo PCC. Recentes operações policiais e do Ministério Público enfraqueceram o domínio da facção no Centro, especialmente na Favela do Moinho, tida como espécie de base logística para o tráfico local. Sem a presença ostensiva de traficantes, a oferta de drogas caiu e o fluxo, privado de seu principal insumo, se desfez.

Mas o aparente sucesso dessa nova política não se limita à repressão. A diferença, desta vez, é que o Estado não se limitou a “limpar” a área. Empenhou-se no tratamento dos cidadãos em flagrante estado de vulnerabilidade, que deixaram de ser vistos como caso de polícia e passaram a ser atendidos como pacientes em sofrimento. O Hub de Cuidados – espaço de acolhimento e encaminhamento instalado na região central – tornou-se o símbolo desta nova gestão, tendo direcionado apenas este ano cerca de 180 pessoas por semana, em média, para os centros de atenção da Prefeitura.

A percepção de mudança é compartilhada por quem vive no entorno do que foi a Cracolândia. “Não existe mais aquela aglomeração sem controle, a gente não podia circular por várias ruas”, disse Iézio Silva, presidente da Associação de Moradores Campos Elísios Melhor, ao Estadão. Depois de tantos anos de abandono, a percepção de segurança começa a voltar à região central de São Paulo. Mais do que isso: os que lá vivem ou trabalham voltaram a se sentir cidadãos dignos da atenção do poder público.

A Defensoria Pública, por sua vez, manifestou preocupação com a continuidade do atendimento aos dependentes químicos, agora espalhados por diferentes pontos da cidade. A instituição argumenta que o rompimento de “vínculos estabelecidos” entre assistentes sociais e usuários pode comprometer a reabilitação. É uma ponderação válida, mas que não deve ofuscar o essencial: a Cracolândia, tal como existia, era uma infâmia – um retrato vergonhoso da ausência do Estado numa porção de seu território exposta à exploração da miséria humana pelo crime organizado.

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