Ministro do Supremo Tribunal Federal concedeu entrevista ao jornal americano
O Globo
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes assistia a um jogo do seu time do coração, o Corinthians, quando recebeu a informação, pelo celular, que Jair Bolsonaro havia descumprido as ordens do magistrado de não usar as redes sociais. Moraes "agiu imediatamente" e determinou, em 4 de agosto, que o ex-presidente cumprisse prisão domiciliar. O episódio foi relatado pelo ministro em entrevista ao Washington Post, publicada nesta segunda-feira.
Ao jornal americano, Moraes disse não se intimidar depois de o governo americano Donald Trump impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, revogar o seu visto de entrada no país e incluí-lo no rol de sancionados pela Lei Magnitsky, sob o argumento de supostas violações de direitos humanos de Bolsonaro e outras figuras da direita brasileira.
— Não existe a menor possibilidade de recuar nem um milímetro — disse Moraes, durante a entrevista, concedida no gabinete dele neste mês. — Faremos o que é certo: receberemos a acusação, analisaremos as provas, e quem tiver que ser condenado, será condenado; quem tiver que ser absolvido, será absolvido.
Trump atribui a Moraes uma "caça às bruxas" contra Bolsonaro e o acusa de colocar em xeque a liberdade de expressão com inquéritos contra a desinformação. Na reportagem em que descreve a entrevista, o Washington Post descreve o ministro do STF como um "xerife da democracia".
O jornal americano lembrou que foi Moraes quem determinou a suspensão da operação do X no Brasil, por descumprimento de decisões judiciais, o que fez o proprietário da plataforma, o bilionário Elon Musk, chamá-lo de "Darth Vader do Brasil". O ministro do STF também ordenou a prisão de políticos em exercício e ex-ocupantes de cargos públicos, além de destituir unilateralmente o governador de Brasília, após os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
"Agora, ao colocar o ex-presidente em prisão domiciliar e bani-lo das redes sociais, ele efetivamente silenciou uma das figuras da direita global mais conhecidas do mundo", escreveu o Washington Post, que descreveu Moraes como "o jurista mais poderoso da história do Brasil".
'Escolhido' para 'escudo' contra ataques
O jornal ouviu 12 amigos e colegas de Moraes. A maioria, segundo o Washington Post, defendeu o ministro como alguém cujas "medidas firmes ajudaram a preservar a democracia brasileira em um momento em que o autoritarismo cresce em todo o mundo". Mas outros afirmaram que ele se tornou "poderoso demais" e "cometeu excessos", o que teria colocado a legitimidade do STF "em risco". Moraes discordou: disse que o Brasil havia sido infectado pela "doença" do autoritarismo e que seu papel seria aplicar a "vacina".
— Não há como recuar daquilo que devemos fazer — afirmou. — Digo isso com total tranquilidade.
O jornal relata que, no início de 2019, o então presidente do STF Dias Toffoli ligou para Moraes com um "pedido urgente", em meio à ascensão de Jair Bolsonaro e ataques diretos à Corte, inclusive de um dos filhos do ex-presidente, Eduardo Bolsonaro. "A desinformação, as ameaças e os apelos para fechar o tribunal passaram a florescer nas redes sociais" e Moraes, com trajetória no combate ao crime, foi o "escolhido" para comandar "um escudo": uma investigação sobre “fake news” e retórica antidemocrática.
O Washington Post destacou que a abertura da apuração representou uma "ruptura", já que o STF "tradicionalmente não tem autoridade para iniciar investigações próprias". Moraes pode se valer de poderes investigativos, acionar a Polícia Federal e se apoiar numa legislação mais restrita quanto à extensão da liberdade de expressão em relação à vigente nos Estados Unidos.
— Entendo que, para a cultura americana, é mais difícil compreender a fragilidade da democracia, porque lá nunca houve golpe — disse Moraes. — Mas o Brasil teve anos de ditadura sob Getúlio Vargas, depois mais 20 anos de regime militar e inúmeras tentativas de golpe. Quando se é mais atacado por uma doença, você forma anticorpos mais fortes e busca uma vacina preventiva.
Moraes acabou responsável por praticamente todos os inquéritos relacionados a ataques à ordem democrática por parte de Bolsonaro e seus apoiadores, destacou o Washington Post, que também citou o papel do ministro como presidente do Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições de 2022. Foi ele quem comandou os processos que tornaram Bolsonaro inelegível e quem assumiu a apuração, no ano passado, das acusações de que o ex-presidente teria planejado se manter no poder à força, num plano que envolveria matar rivais políticos. Bolsonaro se diz alvo de perseguição.
— Este é um processo legal legítimo — rebateu Moraes. — Cento e setenta e nove testemunhas já foram ouvidas.
Questionado se teria poder demais, Moraes rejeitou a ideia. Disse que seus colegas do Supremo já revisaram mais de 700 decisões suas após recursos.
— Você sabe quantas eu perdi? — questionou Moraes. — Nenhuma.
Ao Washington Post, Moraes também afirmou se inspira na História do governo dos EUA, citando os pensamentos de John Jay, Thomas Jefferson e James Madison.
— Todo constitucionalista tem grande admiração pelos Estados Unidos — disse o ministro, para quem a tensão entre Estados Unidos e Brasil é "temporária" e motivada por questões políticas e desinformação. Ele apontou Eduardo Bolsonaro como um dos responsáveis por esse cenário.
— Essas narrativas falsas acabaram envenenando a relação, narrativas falsas apoiadas por desinformação espalhada por essas pessoas nas redes sociais — disse Moraes. — O que precisamos fazer, e o que o Brasil está fazendo, é esclarecer as coisas.
Moraes comentou, ainda, sobre a perda das próprias liberdades pessoais.
— É agradável passar por isso? — perguntou. — Claro que não é agradável.
Mas, segundo ele, "enquanto houver necessidade, a investigação vai continuar".
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