Assessor nomeado na Câmara do Rio trabalha na campanha de Bolsonaro


Tercio Arnaud Tomaz mantém páginas com ataques a adversários do presidenciável e mensagens de ódio

BRUNO ABBUD / IGOR MELLO / JULIANA DAL PIVA - O GLOBO

Tércio ao lado de Jair Bolsonaro 
Reprodução / Facebook

Assessor pessoal de Jair Bolsonaro (PSL) durante toda a pré-campanha, Tercio Arnaud Tomaz, dono de ao menos uma página de apoio ao capitão da reserva no Facebook, além de outra no Instagram, recebe salário da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro desde dezembro de 2017 sem trabalhar de fato no legislativo carioca.

Tercio foi nomeado para o cargo de auxiliar de gabinete, com salário de R$ 3.641, pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSL), filho do presidenciável. A função do assessor, no entanto, é acompanhar Jair Bolsonaro para a produção de vídeos e postagens do candidato do PSL em redes sociais.

Na terça-feira, 7 de agosto, a reportagem de O GLOBO entrou em contato com o gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal. Um funcionário informou que Tercio não costuma cumprir expediente no local. Outras duas fontes próximas a Bolsonaro confirmaram a informação.

— Ele é externo. Ele acompanha o deputado Jair, entendeu? Fica externo — disse Edivaldo Souza da Silva, funcionário do gabinete de Carlos Bolsonaro no Rio.

No ar desde junho de 2015, a página “Bolsonaro Opressor 2.0” costuma promover o candidato por meio de memes agressivos contra adversários do político - entre eles Geraldo Alckmin, Lula, Marina Silva e Ciro Gomes - além de publicar mensagens de apoio ao presidenciável do PSL.

A página também promoveu críticas pesadas à vereadora Marielle Franco um dia depois do seu assassinato no bairro Estácio, em 14 de março. Em uma matéria que anunciava a intenção da irmã de Marielle de se lançar na política, a legenda dizia: “Do jeito que tá indo, vão empalhar o cadáver e levar em comício”.

Desde a última sexta-feira, a equipe de reportagem vem procurando Tercio nos gabinetes de Carlos, Eduardo e Jair Bolsonaro. Na última sexta-feira, O GLOBO procurou ele na Câmara dos Vereadores e no gabinete de Jair, em Brasília. Na Câmara do Rio, uma funcionária afirmou não conhecer nenhum Tercio. Em Brasília, um servidor do gabinete do deputado Eduardo disse que Tercio "não havia chegado ainda", e que não poderia passar o número de telefone de "assessores que não estão aqui".

Segundo as fontes, a verdadeira ocupação do assessor parlamentar é a produção de conteúdo digital da campanha do capitão da reserva, filmando e fotografando o deputado em momentos de descontração e em intervalos da agenda de pré-campanha.

O material produzido por Tercio e outros auxiliares com função semelhante é remetido para o gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, onde dois funcionários editam e produzem memes. As postagens são aprovadas pessoalmente por Jair Bolsonaro antes de publicadas. A página "Bolsonaro Opressor 2.0" acumula mais de 1 milhão de seguidores no Facebook e 211 mil no Instagram.

Uma segunda página chamada “Bolsonaro Opressor 2.0²” costuma republicar o mesmo conteúdo postado pela página do assessor. Em janeiro, quando Jair Bolsonaro gravou um vídeo em sua casa em Angra dos Reis ambas as páginas publicaram o mesmo vídeo com o mesmo post, inclusive com os mesmos erros de português com minutos de diferença. “Bolsonaro vai na casa em angra e MOSTRA a mentira da Folha de são paulo”. O caso se repetiu outras vezes como, em 20 de março, nas críticas a vereadora Marielle Franco. No dia seguinte à sabatina na Globonews, a “Bolsonaro Opressor 2.0²” publicou um vídeo do candidato nos bastidores.

Uma postagem de 2016 da “Bolsonaro Opressor 2.0²”, porém, faz graves ameaças a adversários políticos de Bolsonaro. Em uma fotomontagem com a inscrição "Caso Bolsonaro seja presidente.." a deputada Maria do Rosário caída como se tivesse levado um tiro e os deputados Jean Wyllys (Psol-RJ) e Benedita da Silva (PT), além dos ex-presidentes Lula e Dilma estão amarrados por camisas de força.

Página faz postagens de ataque aos adversários políticos de Bolsonaro 
 Facebook / Reprodução

MAIS DE R$ 27 MIL EM SALÁRIOS

A nomeação de Tercio foi publicada no Diário Oficial da Câmara dos Vereadores em 14 de dezembro de 2017, uma semana da exoneração do assessor do gabinete de Jair Bolsonaro, mas foi válida desde o primeiro dia daquele mês.

Desde então, o auxiliar de gabinete recebeu, em valores brutos, ao menos R$ 27,6 mil, sem contar possíveis gratificações. Tercio esteve nomeado entre abril e dezembro de 2017 no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, onde recebia R$ 2,1 mil mensais.

Formado em biomedicina em uma faculdade de Campina Grande - mesma cidade de Julian Lemos, presidente do PSL na Paraíba e aliado de primeira hora de Bolsonaro - Tercio trabalhava como recepcionista em um hotel antes de ser convidado a integrar o gabinete do deputado em Brasília.

— Ele pediu para sair, conseguiu uma proposta melhor — disse Edilma Gaudino, sua antiga chefe, segundo a qual as funções de Tercio incluíam ajudar hóspedes a acessar a internet.

Jair Bolsonaro e sua assessoria foram procurados por telefone e mensagens de texto, mas não retornaram os contatos. O chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro, Jorge Luiz Fernandes, negou que Tercio trabalhe na campanha do capitão da reserva, embora admita que ele o acompanhe em algumas agendas da pré-campanha.

— Nenhum funcionário do gabinete do vereador Carlos Bolsonaro trabalha na pré-campanha de Jair Bolsonaro — afirmou, em nome do vereador.

Em nota, a Câmara dos Vereadores do Rio afirmou que "os cargos em comissão são de livre nomeação e responsabilidade de cada parlamentar", além de destacar que os comissionados estão submetidos à mesma legislação que rege a atuação dos servidores públicos da prefeitura do Rio.


ESPECIALISTAS VEEM POSSÍVEL IRREGULARIDADE

Para Paulo Corval, professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), se comprovada pelas autoridades, o desvio de função de Tercio para a campanha de Jair Bolsonaro pode configurar improbidade administrativa.

— É uma violação funcional do servidor e de seu chefe imediato, que é o vereador — explica — O fato poderia caracterizar improbidade administrativa. O mero descumprimento da lei, por si só, já é caracterizado assim. Se for caracterizado que o servidor atuava fora de sua função, pode até ser obrigado a devolver os recursos ao erário.

Já Daniel Falcão, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público e especialista em Direito Eleitoral e Constitucional, diz que, em tese, pode ter havido irregularidade também do ponto de vista da candidatura de Jair Bolsonaro.

— Isso pode ter configurado abuso de poder político, porque estaria usando um funcionário subordinado a outra pessoa, utilizando-se de seu prestígio como deputado, para trabalhar para si próprio — avalia.

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