Entrevista do ministro Aloysio Nunes Ferreira à revista Época


Um dos oito ministros de Temer que viraram alvo das novas investigações da Lava Jato, o chanceler diz que continuará a tocar a política externa, enquanto lutará para provar sua inocência

GUILHERME EVELIN - ÉPOCA

Aloysio Nunes Ferreira, em seu gabinete no Itamaraty. "São acusações que me fazem sofrer" 
(Foto: Sérgio Lima/ÉPOCA)

A notícia de que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, se tornara um dos oito integrantes do primeiro escalão do governo Temer que viraram alvo de investigações da Procuradoria-Geral foi divulgada enquanto ele se encontrava em Santiago com a presidente do Chile, Michelle Bachelet, em sua terceira viagem internacional, em menos de dois meses no comando do Itamaraty. De volta ao Brasil, ele recebeu ÉPOCA na manhã da quarta-feira (12), para uma entrevista em que comentou as delações da Odebrecht contra ele e o impacto das novas denúncias no PSDB e na política interna e externa do governo Temer. Aloysio diz que as investigações não o paralisarão nem ao governo.

*

ÉPOCA – O senhor passou à condição oficial de investigado pela Lava Jato. Isso não afeta a condução da política externa e a participação do Brasil nos fóruns internacionais?
Aloysio Nunes Ferreira – A presença do Brasil nos fóruns internacionais independe da minha situação pessoal. O Brasil é um país muito respeitado nas organizações internacionais de que participa, porque é sempre uma presença positiva e agregadora. O Brasil tem peso na política mundial e tem uma política externa que mantém uma linha de continuidade com traços que nos distinguem: a busca de soluções negociadas, o pacifismo, o prestígio à lei internacional, o multilateralismo. Esse caso não vai afetar as relações internacionais do Brasil. Afeta a mim. É algo que me faz sofrer.

ÉPOCA – O senhor soltou uma nota em que diz que as afirmações dos delatores são mentirosas. Tem convicção de que será inocentado ao fim das investigações? 
Aloysio – Os depoimentos a que tive acesso são ilações de tal maneira distantes de qualquer indício de irregularidade que facilmente serão demolidas. Mas, por mais pueril que seja a acusação, demora muito tempo para se esclarecer tudo. O sistema brasileiro exige duas instruções, uma na polícia e outra depois na Justiça. E isso leva um tempo infinito, sobretudo pela sobrecarga de trabalho da Polícia Federal e da Justiça Federal. Então, até eu demolir essa acusação, será um tempo de exposição extremamente sofrido para mim.

ÉPOCA – O senhor pediu contribuição para a Odebrecht?
Aloysio – Nunca pedi. Porque eu sabia que não iam me dar. Agora, há um delator que diz que entregou R$ 500 mil a meu pedido. Não diz para quem, não diz onde. Com base no que ele supôs ser uma insinuação minha de contrapartida. O que não tem nenhum cabimento.

ÉPOCA – O senhor teme que as investigações avancem em relação à atuação nas obras do Rodoanel de Paulo Preto (ex-diretor de engenharia da Dersa, empresa de desenvolvimento rodoviário de São Paulo), seu amigo?
Aloysio – O Paulo Souza é meu amigo e é um engenheiro muito competente, que entregou a obra num preço justo e no prazo certo. Em contratos que foram absolutamente regulares. Foi uma licitação limpa feita pelo governo anterior ao do José Serra [de quem Aloysio foi chefe da Casa Civil no governo de São Paulo entre 2007 e 2010]. No governo Serra, nós mudamos o regime jurídico do contrato inicial e conseguimos um desconto de 5% em relação ao preço original da contratação. Acho que a Odebrecht até perdeu dinheiro no Rodoanel. E nunca me procuraram para nada.
"A presença do Doria é sinal de que nós temos condições de ter uma mudança geracional exitosa no PSDB"

ÉPOCA – As principais lideranças do PSDB viraram alvos das investigações. Como o partido chegará a 2018? 
Aloysio – No final, pouca coisa sobrará destas acusações. Mas isso abala o prestígio político. Vai ser pesado durante as eleições de 2018, para todos. O principal efeito político destas denúncias é que o PT, que transformou focos de corrupção em uma grande septicemia do organismo político brasileiro, pelo caráter tentacular do esquema que montou, acaba equiparado a todos os outros. Esse é um fardo que nós, do PSDB, vamos carregar tocando a vida para a frente e ajudando o Temer a fazer uma boa transição do governo. Queremos nos distinguir sobretudo pela nossa ação positiva na política interna e externa.

ÉPOCA – Como vê a emergência do nome do prefeito de São Paulo, João Doria, como um possível candidato nas eleições presidenciais de 2018? 
Aloysio – Qualquer suposição sobre o cenário eleitoral de 2018 é temerária e fútil. Mas vejo o João Doria como alguém da nova geração de políticos do PSDB que vai assumir o lugar de uma geração que participou da resistência democrática e da reconstrução das instituições e está chegando ao fim da sua linha, seja biologicamente, seja pelo esgotamento de sua carreira política. A presença do Doria, como de outros políticos jovens do PSDB, é sinal de que nós temos condição de ter uma mudança geracional exitosa. E, no que diz respeito a mim, eu abro alas para eles com alegria.

ÉPOCA – O Congresso vai ser paralisado por esta nova leva de investigações?
Aloysio – Acho que não. É preciso saber mascar chiclete e caminhar ao mesmo tempo. O Congresso tem reagido positivamente às iniciativas do governo Temer. Há uma nova maioria, que tem algumas diferenças, mas apoia a linha de ação implementada pelo Temer, especialmente na área econômica e em relação à reforma do Estado. Mudamos rapidamente coisas como o marco jurídico da exploração do pré-sal, a terceirização, o teto de gastos, a reforma do ensino médio, a mudança da lei da Eletrobras que permite a privatização das concessionárias de distribuição de energia.

ÉPOCA – A reforma da Previdência vai passar? 
Aloysio – As pessoas vão tomar consciência de que é preciso mudar a Previdência para poder mantê-la. Então, acho que ela vai passar, levando em conta o histórico da relação do presidente Temer com o Congresso Nacional. Um histórico curto, mas de êxito e de apoio político.

ÉPOCA – Em termos de política externa, o que é possível o governo Michel Temer conseguir em pouco mais de um ano e meio que lhe resta? 
Aloysio – Nós queremos devolver ao Mercosul sua ambição original de ser uma zona de livre-comércio. Queremos eliminar a grande maioria dos entraves de toda natureza que obstaculizam o comércio. A negociação do Mercosul com a União Europeia também avançou muito depois que os Estados Unidos anunciaram o arquivamento da Parceria Transatlântica. Houve uma retomada do interesse dessas negociações que se arrastavam havia muitos anos, e nós estamos trabalhando ativamente para concluir uma primeira etapa pelo menos até o final deste ano. Da mesma forma, estabelecemos agora em Buenos Aires um roteiro de ação com passos concretos para uma convergência do Mercosul com os países da América do Sul que fazem parte da Aliança do Pacífico: Chile, Peru, Colômbia e México.

ÉPOCA – O que o Mercosul pode fazer para resolver o problema da Venezuela? 
Aloysio – Nós podemos fazer pressão diplomática para que se encontre uma saída política pelos próprios venezuelanos. Em algum momento, haverá de existir uma negociação. Até para disciplinar uma ruptura, precisa haver uma negociação, sob pena de uma ruptura se transformar numa explosão. Agora, isso compete aos venezuelanos. Nós apoiamos as reivindicações da oposição venezuelana em torno de três questões-chave: as prerrogativas do Parlamento, a libertação dos presos políticos e o respeito ao calendário eleitoral. Nós queremos uma negociação que seja real, de boa-fé, e não apenas uma enganação, para desmobilizar a oposição.

ÉPOCA – Há possibilidade de diálogo com o governo Nicolás Maduro, que considera ilegítimo o governo Temer? 
Aloysio – Depende muito da atitude política deles em relação a nós. Nós temos uma embaixada aberta, funcionando na Venezuela, e nós temos um embaixador, que foi chamado para consultas, assim como os venezuelanos chamaram a embaixadora deles aqui. Então, não foi uma decisão unilateral do Brasil. Acho importante ter alguém lá com status de embaixador, até para nos inteirarmos da situação de um país que tem 2.000 quilômetros de fronteira conosco, onde há uma crise humanitária que provoca uma migração famélica que poderá ser um grande problema para o Brasil.

ÉPOCA – Já houve altercações do senhor com representantes do governo venezuelano. 
Aloysio – Mas nunca partiram de mim. Eu sou um homem pacífico.

ÉPOCA – Sua fama é de ter pavio curto. 
Aloysio – Eu só não gosto de desaforo. Ninguém gosta,
não é? Eu gosto mais de carinho que de desaforo.

Comentários