Fundação iFHC realiza seminário para discutir crise do petróleo e os rumos para energia no Brasil


A Fundação realizou no dia 12 de abril seminário para discutir a crise do petróleo e os rumos para energia no Brasil. 

Veja resumo abaixo:


O Fim do Triunfalismo Petroleiro e a Definição de Novos Rumos para a Energia no Brasil



12.abri.2016 - auditório da Fundação iFHC
Abertura: Sergio Fausto
Palestrantes:
David Zylbersztajn
Luis Henrique Guimarães

Resumo

“O que se fez no Brasil foi apostar em pleno Século 21 na fonte de energia do Século 20. Como se o petróleo fosse o passaporte para o futuro.” – David Zylbersztajn, especialista em energia.

O mundo produz hoje mais petróleo do que necessita e, com a entrada em vigor do novo Acordo do Clima de Paris, a tendência é de nas próximas décadas a energia produzida a partir de petróleo ser paulatinamente substituída por fontes renováveis, menos prejudiciais ao meio ambiente. Em 22 de abril, 175 países assinaram na sede ONU em Nova York o documento resultante do acordo alcançado em Paris.

Enquanto isso, no Brasil a Petrobras está no centro de um escândalo de corrupção e sofre por problemas de má gestão, incompetência e escolhas equivocadas acumulados nos últimos anos, o que multiplicou sua dívida em cinco vezes. Como a companhia está sem recursos para investir, a exploração do Pré-Sal tem evoluído muito mais lentamente do que o esperado. Ao mesmo tempo, a produção de petróleo extraído do Pós-Sal tem diminuído. O resultado é a estagnação da produção nacional de petróleo em torno de 2 milhões de barris por dia, segundo dados de março divulgados pela Petrobras. O lado positivo é que o país continua a ter grande potencial na produção de energia baseada em fontes renováveis, entre elas o etanol, a eólica e a solar.

“Ao ter de participar de todos os campos de exploração do Pré-Sal com 30%, conforme determinação do governo, a Petrobras caiu numa grande armadilha. E está claramente fracassando”, disse David Zylbersztajn, primeiro diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), criada durante o governo FHC, quando o monopólio do petróleo foi quebrado e houve a abertura do setor de petróleo e gás no Brasil, parcialmente revisto durante os governos Lula e Dilma.

“O Brasil tem tudo para ser extremamente competitivo no que diz respeito às energias renováveis, mas precisamos de medidas regulatórias que estimulem o investimento, a tecnologia e a inovação”, afirmou o executivo especializado na área de energia Luis Enrique Guimarães, novo presidente da Raízen, empresa brasileira com presença nos setores de produção de açúcar e etanol, transporte e distribuição de combustíveis e geração de bioeletricidade.

A crise da Petrobras

O Brasil vive uma situação paradoxal. Por um lado, tem assumido um papel de protagonista nas negociações mundiais sobre o clima e tem um histórico de produção de energia considerada mais limpa, seja por meio de hidrelétricas, seja a partir da cana de açúcar, o etanol. Também tem crescido no país o investimento em usinas eólicas, principalmente no Nordeste.

Mas, nos últimos anos, a descoberta de grandes depósitos de óleo no Pré-Sal, acabou tirando o foco dessas fontes de energia renováveis e o Brasil passou a acreditar que o petróleo seria seu passaporte para um futuro mais rico e desenvolvido. Nesse processo, o governo reverteu o processo de abertura do mercado de exploração, com diversas medidas protecionistas que, em vez de fortalecer, deixaram a Petrobras sobrecarregada e vulnerável e emperraram a licitação de novas áreas petrolíferas.

“Em 2007, com a descoberta do Pré-Sal, o governo chegou à conclusão de que aquilo era um bilhete premiado e iria salvar o Brasil. Esses recursos não poderiam ficar nas mãos de multinacionais estrangeiras e, sem nenhum questionamento maior, interrompeu-se um modelo que estava dando certo e adotamos o modelo de partilha. Ficamos cinco anos sem novas licitações”, explicou Zylbersztajn.

Segundo o especialista, o custo de exploração no Pré-Sal, mais elevado do que em áreas menos profundas do oceano ou em terra firme, é de US$ 40 a US$ 45, muito próximo do valor do barril no mercado internacional atualmente.

“A margem de lucro é quase zero. Portanto, temos hoje uma riqueza no subsolo oceânico que não será devidamente explorada se não houver uma mudança na legislação e no modelo exploratório”, explicou. Para Zylbersztajn, o impacto da corrupção e da Operação Lava Jato é pequeno comparado aos problemas de gestão na Petrobras e à incompetência da política governamental para o setor petrolífero. Segundo ele, a dívida da empresa era de R$ 106 bilhões em 2009 e hoje é de R$ 534 bilhões, dos quais R$ 300 bilhões vencendo até 2020.

“É a maior dívida corporativa do mundo. Se a Petrobras não gastasse nada, precisaria de seis anos para pagar sua dívida”, disse. Para complicar ainda mais, 80% da dívida é em dólar enquanto apenas 18% a 22% das receitas da empresa são na moeda norte-americana. Para manter o atual patamar de produção, a Petrobras precisa investir R$ 400 bilhões até 2020, mas a previsão de geração de caixa é de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões. Como fechar a conta?

É muito difícil, concluiu, em especial por que a tendência do preço do petróleo é a de se manter bem abaixo do nível observado até recentemente.

Por que o petróleo está cada vez mais barato?

O petróleo, cujo barril chegou a ser vendido a cerca de US$ 150 na última década, é comercializado atualmente a US$ 50 o barril ou menos. O motivo foi a entrada no mercado de novos produtores mundiais, com destaque para os Estados Unidos que, nos últimos anos, deu um salto na produção de gás e petróleo de xisto (shale gas & oil), obtido a partir da microfratura de rochas possibilitando a liberação de gás e óleo armazenado em pequenas formações geológicas.

Essa técnica, durante anos considerada ambientalmente arriscada, foi intensamente desenvolvida nos últimos anos por decisão do presidente Barack Obama, que, durante sua campanha, prometeu tornar os EUA menos dependentes do petróleo do Oriente Médio. O país é hoje o maior produtor de petróleo do mundo.

Também contribuiu para a maior oferta a abertura recente do setor petroleiro mexicano, com a revitalização da produção no Golfo do México, e o retorno do Iraque e, mais recentemente, do Irã ao mercado mundial. Com o fim das sanções internacionais ao país, em virtude da assinatura do acordo nuclear com a ONU e as grandes potências, o Irã deve dobrar sua produção de petróleo nos próximos anos. A Rússia é outro país que aumentou sua participação no mercado.

“De 2009 a 2016, houve um descolamento entre oferta e demanda, o que explica a baixa brusca dos preços, que caíram de mais de US$ 100 em 2014 para em torno de US$ 40 a US$ 50 agora. Petróleo a US$ 100, nunca mais”, afirmou Zylbersztajn. Segundo o especialista, o consumo mundial está estabilizado em cerca de 92 milhões de barris por dia e não deve subir nos próximos anos.

O fator ambiental

Segundo David Zylbersztajn, pela primeira vez na história a economia mundial está crescendo com emissões menores de gases do efeito estufa, o que significa que os hidrocarbonetos estão perdendo espaço para outras fontes de energia como solar, baterias elétricas etc.

“O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) preconiza uma economia sem petróleo em 2100. Ou seja, uma criança que nasça hoje vai viver num mundo sem petróleo. A Idade da Pedra não terminou porque terminou a pedra. Da mesma forma, a era do petróleo vai terminar antes que termine o petróleo”, afirmou o doutor em Economia da Energia pela Universidade de Grenoble (França).

Em dezembro de 2015, foi fechado em Paris o novo acordo climático, cuja principal decisão foi limitar em 1,5 grau Celsius o aumento da temperatura da Terra em consequência das emissões de gases do efeito estufa nas próximas décadas. Para atingir esse objetivo, todos os países-membros se comprometeram com metas voluntárias. (Leia texto sobre o seminário “Mudança Climática: Paris foi um divisor de águas?”, realizado pela Fundação iFHC em fevereiro último).

Ainda antes da cúpula de Paris (COP-21), os Estados Unidos e a China, que juntos representam 45% das emissões do mundo, já haviam anunciado um acordo ambiental. Os EUA prometeram reduzir as emissões em 26% a 28% até 2025. A China estabilizará suas emissões em 2030 e depois começará a reduzi-las. E a União Europeia vai reduzir 40% das emissões em relação a 1990 em 2030.

O Brasil assumiu o compromisso de reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em 43% até 2030 em comparação com os níveis de 2005. “O mundo está efetivamente mudando e não quer saber mais de petróleo. As fontes energéticas alternativas viraram um grande negócio, com investimentos da ordem de US$ 300 bilhões”, disse Zylbersztajn.

Como exemplo dessa mudança, o engenheiro citou a empresa automobilística Tesla Motors, que já comercializa um carro 100% elétrico para cinco pessoas, com baterias carregáveis por energia solar e 350 quilômetros de autonomia por US$ 35 mil. “É um ‘breakthrough’ tecnológico e estamos apenas no começo”, disse.

“Em dez anos, a Holanda só terá carros elétricos. No aeoroporto de Shiphol, em Amsterdã, os táxis são todos da Tesla, enquanto no Brasil não temos sequer o Toyota Prius, um carro híbrido que já existe há 20 anos no exterior”, afirmou Zylbersztajn. Na Califórnia, o Estado mais rico dos EUA, os grandes caminhões de transporte só podem usar gás natural.

De acordo com o especialista, o futuro energético do mundo está na miniaturização dos equipamentos de produção de energia e na produção e distribuição de forma descentralizada. O Google lançou um projeto chamado Rooftop, que ajuda qualquer pessoa a calcular o potencial de produção de energia por meio de painéis solares instalados no telhado de sua casa, com custos e prazo de retorno do investimento.

“A energia do futuro será cada vez mais gerada pelo próprio consumidor, que controlará tudo de um notebook. Se não usar a energia produzida, poderá vendê-la para outros consumidores pela própria rede. O papel do petróleo hoje é tapar o buraco enquanto essas alternativas estão sendo postas em prática”, afirmou.

A aposta no etanol

A geração de energia a partir do bagaço da cana de açúcar responde atualmente por 16% da matriz energética brasileira, incluindo eletricidade e transportes, enquanto o petróleo ainda representa cerca de 40%. Mas, para o Brasil cumprir os compromissos assumidos em Paris — redução de suas emissões em 43% até 2030 —, esse percentual teria de dobrar.

De acordo com o especialista em energia Luis Henrique Guimarães, enquanto no Nordeste a energia eólica tem ótimo custo benefício, no Sudeste, em especial no interior de São Paulo, a energia que vem da biomassa pode ser mais interessante.

“O Brasil está bem posicionado porque tem o menor custo de produção de açúcar e etanol do mundo. Mas, para dobrar a produção sem a necessidade de utilizar mais terras, temos de investir em ganho de produtividade e redução de custo por hectare, o que significa melhor gestão e inovação constante”, explicou.

Para ele, o país também precisa reconhecer os benefícios que as energias renováveis trazem se comparadas à energia dominante, o petróleo. “Quanto vale uma cidade menos poluída em termos da saúde e qualidade de vida das pessoas? Essas questões devem ser levadas em conta ao definirmos o preço da energia, que atualmente leva em conta apenas os custos de geração”, disse.

Para Guimarães, a mudança de uma matriz mais suja para uma mais limpa deve ocorrer sem excesso de subsídios, que geram distorções de longo prazo. “Alguém vai pagar a conta no presente ou no futuro, seja o contribuinte ou o consumidor”, afirmou.

Ele também destacou a importância do gás natural como um regulador dos mercados de energia eólica e de biomassa, que dependem do clima e de períodos de entressafra. “A combinação do uso das energias renováveis com o gás natural permitirá que a transição do mundo do petróleo para o das energias renováveis seja feita de forma economicamente viável e ordenada”, disse.

Além de possuir reservas importantes de gás, o Brasil também pode se beneficiar da proximidade de grandes produtores como Argentina e Bolívia.

Finalmente, o Brasil precisa estar de olho no desenvolvimento internacional do mercado de produção de energia a partir de biomassa. “Os EUA já são um grande produtor de etanol. China e Filipinas estão se movimentando. A evolução desse mercado dependerá do comprometimento dos países com a implementação do Acordo do Clima de Paris e de adotarem progressivamente a mistura do etanol na gasolina”, disse o palestrante.

Ele qualificou como “poderosa” uma eventual parceria entre EUA e Brasil para transformar o etanol em uma commodity, ou seja, um produto com ampla comercialização no mercado internacional.

Já Zylbersztajn vê problemas internos para um maior protagonismo brasileiro no mercado mundial de energias renováveis. “A ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) é competente e teve protagonismo nas negociações sobre o clima. Mas, na política interna, faltam lideranças e recursos. Não vejo como e se teremos capacidade de implementar as políticas adequadas”. afirmou.



Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.

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