"Acima da lei", artigo de Ferreira Gullar


Folha de S.Paulo


Peço que o leitor me desculpe por voltar a falar de Luiz Inácio Lula da Silva, mas é que, nos últimos meses, ele se tornou um dos centros da problemática política que envolve a atuação do PT no governo do país.

No que se refere particularmente ao ex-presidente, as investigações levadas a efeito pela Operação Lava Jato terminaram por revelar ligações suas com empresários envolvidos no escândalo da Petrobras, de que também teria se beneficiado. Os dois fatos até agora mais evidentes disso são a suposta compra de um apartamento tríplex, em Guarujá, e de um sítio, em Atibaia.

Até bem pouco, quase ninguém sabia dessas supostas propriedades de Lula. Só depois que a imprensa noticiou o fato ele passou a falar no assunto. Primeiro, foi o caso do apartamento tríplex, a respeito do qual afirmou ter adquirido apenas uma cota em 2005. Não obstante, a imprensa voltou a revelar que sua mulher, dona Marisa, havia visitado, muito depois, o referido tríplex, em companhia do presidente da OAS.

Após a visita, essa empresa bancou a reforma do apartamento a um custo de quase R$ 800 mil. Lula também visitou o prédio na época em que se instalava ali um elevador privativo para o tríplex. Depois de muitas versões diferentes, ele terminou por admitir que vendera a cota em novembro de 2015, ou seja, poucos meses atrás. Afinal, qual é a versão verdadeira?

Quanto ao sítio, segundo afirma, não lhe pertence, mas desde que deixou a Presidência da República, em 2010, passou a frequentá-lo constantemente juntamente com sua família. Também esse sítio foi reformado e equipado com cozinha e mobília completa, a um custo de R$ 1 milhão. Não obstante, garante que o sítio não lhe pertence, mas a sócios de seu filho, que se revelam de uma generosidade rara. Nunca conheci tanta generosidade, mas também nunca fui presidente do Brasil.

Se eu fosse petista, poderia até acreditar nessa lorota, como, ao que parece, acreditam (ou fingem acreditar) a presidente Dilma Rousseff e seu chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. Este afirmou que Lula está sendo vítima de uma "caça a uma liderança nacional, nesse caso, uma caça constante". Para Dilma, trata-se de "uma grande injustiça", tanto mais porque "o país, a América Latina e o mundo precisam de um líder com as características do presidente Lula". Quais são essas características, ela não disse.

Note-se que até então nem ela nem o Wagner tinham vindo a público defender o seu grande líder e, mesmo agora, ao fazê-lo, nenhum dos dois se refere ao tríplex ou ao sítio de Atibaia. Tampouco afirmam explicitamente que Lula é inocente.

E, em meio a tudo isso, o que fez Lula? Sumiu, simplesmente deixou de dar entrevistas, falar sobre o assunto. Era como se não fosse com ele. Em vez disso, manda o Instituto Lula e o presidente do PT responderem às acusações. Mas estes tampouco as discutem, apenas afirmam que ele está sendo vítima de perseguição.

Perseguição da parte de quem? Claro, da Polícia Federal, do Ministério Público, dos órgãos da Justiça e da imprensa, que, como se sabe, num país capitalista, existem para perseguir os que lutam pelos pobres, como a Odebrecht, a Camargo Corrêa, o PT e o Lula.

Não estou entre aqueles que querem, a todo custo, ver o ex-presidente na cadeia. Não obstante, como a Constituição assegura que todos são iguais perante a lei, não se pode aceitar que, por ser um destacado líder político, esteja ele a salvo de qualquer procedimento investigativo que vise defender o interesse público. Por isso mesmo é inaceitável a atitude da cúpula petista, em face de qualquer medida judicial contra ele, pretendendo até mesmo impedir que os fatos sejam apurados.

Ou devemos concluir que a apuração da verdade é contra Lula? Intimado a depor no processo que examina a compra do tríplex, negou-se a ir, o que pegou mal, já que essa seria a oportunidade de ele esclarecer as acusações que lhe fazem.

Você, leitor, certo de sua inocência iria, não iria? Pois é, eu também iria.



É cronista, crítico

de arte e poeta.

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