"Haddad não tem jeito", editorial do Estadão



O ESTADO DE S.PAULO 


Mais uma vez, o prefeito Fernando Haddad prova que tem mesmo uma inegável capacidade de surpreender a todos com seu faro marqueteiro. Agora, na reta final de seu mandato e longe de níveis de aprovação que lhe garantam a desejada reeleição, ele tira do bolso do colete a proposta de eleição direta dos 32 subprefeitos, constante de projeto de lei enviado à Câmara Municipal. Ela impressiona à primeira vista, com seu demagógico apelo “democrático” de dar ao povo o direito de escolha, mas não resiste a um exame mais detido.

Os candidatos a esses cargos devem ser obrigatoriamente filiados a partidos políticos, residir na região da Subprefeitura à qual vão concorrer e não podem ocupar cargos comissionados. Seu mandato será de quatro anos e coincidirá com o do prefeito. A proposta não vai muito além dessas linhas gerais. Nada diz sobre como será o financiamento das campanhas nem sobre o cronograma das eleições. Embora essas sejam questões importantes, Haddad quer que elas sejam regulamentadas por decreto.

E mais: como a escolha dos subprefeitos deve coincidir com a eleição do prefeito e dos vereadores, em 2 de outubro, e como Haddad não sabe exatamente como tornar isso realidade, diz que vai consultar a respeito o Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Em primeiro lugar, quem se dispõe a fazer uma mudança de tal ordem tem a obrigação de procurar assessores competentes. Em segundo lugar, se não os encontrou – o que é altamente improvável –, por que não consultou antes o TRE, para colher suas sugestões, se é que ele estaria disposto a fazê-las?

Não são essas as únicas indicações seguras de que esse é mais um projeto do atual governo feito de improviso, às carreiras, sem compromisso com a qualidade técnica e a seriedade. Foi assim com as faixas exclusivas de ônibus e as ciclovias, nas quais – além da questão de saber preliminarmente se eram mesmo úteis e necessárias – o que sobrou em estardalhaço faltou em planejamento. A história se repete, pois o prefeito, como mostrou reportagem do Estado, nem ao menos soube informar qual será o custo do projeto.

Tão ou mais grave, o projeto não prevê mudanças no orçamento nem na competência dos subprefeitos. Para fugir da pergunta – para que eleger subprefeitos, se eles continuarão tão sem recursos e poder quanto hoje? – Haddad diz que, a partir do momento em que as comunidades locais estiverem envolvidas no processo de escolha dos subprefeitos, o debate sobre esses temas ocorrerá naturalmente. Segundo ele, “vai ter um movimento natural. Os bairros vão passar a se ver no Orçamento”, seja lá o que isso significa. Dá para levar a sério?

Sobre a possibilidade de a eleição de subprefeitos de partidos de oposição ao prefeito levar a conflitos que prejudiquem a cidade, Haddad afirma que o Plano Diretor e a Lei de Ocupação do Solo formam um arcabouço legal capaz de garantir coerência administrativa entre eles. Ou o prefeito é ingênuo, o que não parece provável, ou diz qualquer coisa para fugir de perguntas para as quais não tem resposta.

É para essa última hipótese que ele certamente será tentado a apelar, se for colocado diante da incoerência entre o tratamento dispensado até agora às Subprefeituras e o súbito desejo de vê-las mais fortes e independentes. Haddad cortou prerrogativas dessas unidades administrativas e reduziu os recursos orçamentários a elas destinados, centralizando-os na Prefeitura. Por que mudou de ideia? O que parece mais provável é a intenção de criar um factoide e com ele desviar a atenção do pífio desempenho de seu governo.

Não se pode descartar a hipótese de Haddad, sentindo que pode ser derrotado, desejar com esse projeto criar condições de eleger alguns subprefeitos e assim garantir a manutenção de uma parcela de poder.

Felizmente para a cidade, tudo isso pode dar em nada. Seja porque o projeto é de legalidade duvidosa e pode ser barrado na Justiça, seja porque foi mal recebido na Câmara, onde sua aprovação enfrenta sérios obstáculos.

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