"A degradação da Paulista", editorial do Estadão



O Estado de S.Paulo


O processo de degradação da Avenida Paulista se acelerou nos últimos anos, sem que o poder público tivesse movido uma palha para detê-lo, como era sua obrigação. Seu comportamento oscila entre a omissão, que é uma forma de cumplicidade, e a participação ativa, embora, é claro, sob o disfarce das boas intenções. Exemplo desse último caso é a decisão do prefeito Fernando Haddad de permitir que artesãos vendam seus produtos nessa avenida – sem a devida fiscalização para impedir que seu número ultrapasse o máximo estabelecido – cujos efeitos negativos foram mostrados por reportagem do Estado.

A Paulista se transformou num imenso camelódromo de 2,8 km de extensão, ocupado por vendedores ambulantes e artesãos. Circular entre as barracas e as lonas espalhadas pela calçada onde eles expõem seus produtos – de peças de artesanato a aparelhos eletrônicos, passando por roupas e bugigangas de todo tipo – está cada vez mais difícil, como atestam os depoimentos de pessoas que circulam diariamente pela avenida. Nos últimos meses, diz uma delas, houve um “aumento exponencial” do número de vendedores. O resultado, diz outra, é que o local “virou um inferno”.

A situação, que já era ruim com os camelôs, ficou ainda pior com a entrada em cena dos artesãos. Neste caso, tudo começou com a aprovação em 2013 da Lei dos Artistas de Rua. Com base nela, os artesãos que se registram na Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco) podem receber permissão para vender seus produtos em vias públicas. Essa poderia ser uma boa iniciativa, com a condição de que fosse colocada em prática corretamente.

Um mínimo de bom senso indica que os artesãos deveriam ser distribuídos pelas ruas, avenidas e praças de forma equilibrada e que o número que coubesse a cada logradouro fosse devidamente fiscalizado. Não é o que está ocorrendo, e a Paulista é o melhor exemplo. Foram autorizados a se instalar ali 50 artesãos, mas eles já são 235, de acordo com contagem feita pela reportagem. Segundo a Prefeitura, agentes da Subprefeitura da Sé fiscalizam diariamente a Paulista.

Ou a informação está incorreta ou a fiscalização é de uma notável ineficiência. Não só porque na realidade o número de artesãos é muito superior ao permitido, como também porque a Prefeitura, reconhecendo isso implicitamente, diz que decidiu pintar números de 1 a 50 nas guias, canteiros e calçadas para indicar os locais exclusivos em que a presença de artesão é permitida, nos dois sentidos da avenida.

Lúcio Gomes Machado, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, lança um alerta que deveria ser levado em conta por todos que têm uma parcela de responsabilidade na questão. A Paulista está “degradada”, diz ele, e explica por que, referindo-se à presença de camelôs e artesãos e a outras atividades permitidas ali: “O lazer da população tem de ser distribuído entre os parques. Não se pode concentrar tudo só na Avenida Paulista. Com tanta coisa acontecendo ali, estamos engarrafando e acabando com a avenida, assim como aconteceu com a Praça da República e a Praça da Sé”.

Tal como nessas duas praças, a violência também já chegou à Paulista, faz tempo, junto com os camelôs. Como mostram os exemplos de todas a vias que ocupam, com eles vem o aumento da criminalidade, principalmente roubos, pois sua presença é um chamariz para bandidos. Da Prefeitura, o que se espera para salvar a Paulista, enquanto ainda é tempo, é o combate aos camelôs ilegais, por meio da Operação Delegada, e pelo menos o respeito ao número de artesãos autorizados.

Do governo do Estado, por meio da Polícia Militar, espera-se que resolva, finalmente, não mais tolerar manifestações na Paulista, que se transformou numa terra de ninguém, que qualquer meia dúzia de gatos pingados pode parar pelo menor pretexto, embora em suas imediações se situe uma dezena de hospitais e isso afete o trânsito em vasta área da cidade.

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