"Haddad está preocupado", editorial do Estadão


O ESTADO DE S.PAULO


Tem razão de estar preocupado o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Logo agora que o petista está bem no meio de sua campanha “civilizatória”, como ele mesmo batizou suas iniciativas para favorecer um punhado de ciclistas e infernizar a vida da maioria dos paulistanos, recrudesce o escândalo de corrupção que traga o PT.

Os mais recentes desdobramentos da Operação Lava Jato colocaram o PT de vez no centro do escândalo. Se antes o prefeito já começava a dar sinais de que pretendia desvincular-se do partido na campanha à reeleição, agora tal estratégia se tornou urgente. Por essa razão, não surpreende que, neste momento, Haddad esteja sendo mais explícito ao criticar os corruptos de seu partido.

Como sempre, no entanto, o prefeito tratou de colocar as coisas em termos bastante peculiares, característicos de seu bem conhecido modo de ver a cidade e sua função como administrador. “Quando você tem um sonho de transformar a sociedade em favor da igualdade e você se desvia para se apropriar de recursos ou para beneficiar quem quer que seja, você está cometendo dois crimes: o primeiro é colocar a mão em recurso público; o segundo, você está matando um projeto político”, explicou o prefeito. Entende-se que sua principal censura não é ao desvio de dinheiro, mas sim àqueles que, com seus delitos, desmoralizam o “projeto político” do PT – que, em sua concepção, visam a “transformar a sociedade em favor da igualdade”.

Ora, se estivesse realmente empenhado em ser um bom prefeito, Haddad não estaria preocupado em “transformar a sociedade”, pois dessa tarefa já tentaram se ocupar diversos ditadores ao longo da história, com resultados horrorosos. A cidade demanda um administrador sério e eficiente, pois problemas por aqui é o que não falta, e não um ideólogo que se investiu da missão de conduzir os paulistanos à terra prometida pelo PT – aquela na qual só podem ingressar os simpatizantes do partido, preferencialmente ciclistas.

Esse delírio messiânico de Haddad se traduz em uma série de fiascos da Prefeitura desde que ele assumiu o governo. Já se tornou constrangedora a frequência com que os projetos do petista foram suspensos ou sofreram restrições por parte do Tribunal de Contas do Município diante de falhas graves e de inconsistentes aumentos de custos – como no caso da importante licitação para a escolha dos novos concessionários de serviços de ônibus.

Também já ficou claro que se limita apenas a propaganda mambembe sua insistência em transformar a Avenida Paulista em parque ou em pintar ciclofaixas a torto e a direito. É assim, com um simulacro de planejamento e atitudes atabalhoadas – as grandes marcas de seu mandato –, que Haddad pretende impor aos “incivilizados” seu padrão de sociedade.

Para isso, ele quer mais um mandato – e sabe que, hoje, sua reeleição é praticamente impossível, em razão de sua grande rejeição pelos paulistanos. No entanto, Haddad acredita ser capaz de se diferenciar dos petistas pilhados com a boca na botija – que, como disse, colaboram para “matar o sonho das outras pessoas”, isto é, dos petistas como ele – e, assim, salvar o que resta da imagem do PT em São Paulo e de sua própria.

Trata-se da proverbial quadratura do círculo. Nem Haddad conseguirá se livrar do PT, a menos que provoque uma crise para deixar o partido, nem reverterá o desgaste de sua imagem perante os paulistanos – e essa situação, ao contrário do que parece supor o prefeito, tem menos a ver com a corrupção do PT e mais com a sua incompetência.

Toda vez que toma um ônibus lotado, ou fica num congestionamento monstruoso, ou encontra ciclofaixas ociosas em todo canto, ou enfrenta ruas esburacadas, ou não consegue matricular o filho em uma creche, ou não tem como se deslocar em razão da interdição de avenidas para o lazer de alguns, ou constata que o prefeito não governa para todos, o eleitor paulistano não pensa na roubalheira dos petistas – essa preocupação é uma espécie de pano de fundo na vida dos brasileiros –, e sim na notória inaptidão de Haddad para administrar São Paulo. Não há estratégia de marketing capaz de mudar isso.

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