"E Tatto caiu na galhofa", editorial do Estadão


O Estado de S.Paulo


Não se pode dizer que dessa vez o secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, exagerou, porque ele é capaz de tudo. Com ele é preciso cuidado até no emprego irônico da expressão “o céu é o limite”, porque o limite é sempre mais embaixo. E amanhã ele pode inventar algo ainda pior que o disparate – os especialistas na questão usaram palavras mais pesadas – de sua proposta para criar um tipo de resgate para ônibus presos em congestionamentos, que oscila entre o cômico e o maluco.

Tatto apresentou sua nova ideia, se é que essa coisa merece ser chamada assim, ao Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT). Logo, não se trata de balão de ensaio, mas de proposta formal, para valer. O que pretende ele? Nada menos que agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) em motos, com sirene, como se fossem batedores abrindo caminho para autoridades, livrem os ônibus parados no trânsito, em ruas e avenidas que não têm corredores ou faixas exclusivas.

Não se deve privar o leitor, que tomou conhecimento do disparate por reportagem do Estado, de “ouvir” novamente a brilhante argumentação de Tatto, em seu português capenga, para que ele se certifique de que não se enganou, que é isso mesmo: “Temos de fazer uma mobilidade igual à saúde, com o mesmo conceito. Se a ambulância vai socorrer alguém, ela tem prioridade. A mesma lógica tem de ser para o transporte público. Tem local que não tem necessidade de fazer faixas exclusivas. Então, a CET vai ter uma operação de resgate e pedir licença (para os carros)”.

É fácil de imaginar as cenas a que a cidade assistirá todos os dias se essa coisa for mesmo colocada em prática. A comparação com as ambulâncias não é apropriada. Elas atendem a casos de emergência e, por isso, são relativamente poucas. Já ônibus presos em congestionamento têm de sobra. São Paulo vai virar uma balbúrdia só, com batedores com sirene para todo lado. E a CET que se prepare para contratar mais agentes e equipá-los.

Além do trânsito infernal, os paulistanos vão sofrer com nova e poderosa fonte de barulho. E, o que é pior, será um sacrifício inútil. Ou alguém com um mínimo de bom senso acredita que as motos com sirene vão mesmo abrir caminho para centenas de ônibus presos em congestionamento, já que os carros não podem sumir, num passe de mágica, para lhes dar passagem?

Não admira a reação de espanto, quase de incredulidade, dos especialistas diante da proposta de Tatto, que não pouparam termos duros para qualificá-la. O presidente da Comissão de Trânsito da OAB de São Paulo, Maurício Januzzi, não hesita em dizer que se trata de “um absurdo” e faz troça: “É bem possível que ele mande colocar um giroflex em cima dos ônibus. É bizarro, para não dizer outra coisa”. O consultor em questões de transporte Flamínio Fichmann não deixa por menos: “Essa ideia é uma loucura. Se eu trabalhasse na CET, me negaria a fazer uma palhaçada dessa”.

Tem mais. Depois de dizer que levou um susto ao tomar conhecimento da ideia de Tatto, outro reputado especialista, Sérgio Ejzenberg, foi igualmente duro: “É mais um factoide e espero que ninguém morra nessa brincadeira. Isso não existe em nenhum lugar do mundo e não se pode usar o sinal de emergência para o que não é emergência”.

Tudo isso, porém, já era previsível, tendo em vista o comportamento amadorístico de Tatto – respaldado, quando não inspirado, pelo prefeito Fernando Haddad – à frente da Secretaria Municipal de Transporte, onde parece mais se divertir com seus malabarismos do que administrar esse setor de enorme importância. Prova disso é a maneira improvisada, sem base técnica, com que está implantando as faixas exclusivas para ônibus e as ciclovias.

O “Resgate ao Ônibus”, nome que Tatto deu à sua mais recente extravagância, a rigor não surpreende. Cedo ou tarde, ele teria de cair na galhofa. Caiu.

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