Para FHC, Folha fazia campanha para desmoralizá-lo durante presidência


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Ernesto Rodrigues/Folhapress 
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante entrevista no instituto FHC, em São Paulo

Quem julga que a Folha persegue governos petistas deve dar uma lida nos comentários do então presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o jornal.

"Indignado", "irritado", "cansado", "com um pé atrás" são as formas como FHC descreve o desconforto em relação à cobertura de seu governo feita pela Folha. Enxerga, em alguns colunistas, uma vontade de tirá-lo do poder. "É uma nostalgia de impeachment, como se houvesse uma imprensa capaz de derrubar pessoas", afirma.

Para FHC presidente, a Folha distorce e faz uma campanha de "desmoralização". Em dezembro de 1995, FHC está inconformado com as colunas de Josias de Souza e de Clóvis Rossi sobre o banco Nacional, que, falido, recebeu ajuda do governo.

Segundo Josias, foi um "negócio da China", que custou aos contribuintes R$ 4 bilhões na época. "Sob Fernando Henrique, uma banca falida pode fazer misérias", escreveu. Rossi lembrava que uma parente do presidente integrava a diretoria do Nacional (era a nora de FHC).

Ofendido, o presidente conta ter ligado para Octavio Frias de Oliveira, publisher do jornal (morto em 2007). Ameaçou não participar da cerimônia de inauguração do parque gráfico da Folha. "Frias disse que ia fazer os dois engolirem, e fez. Hoje, domingo, ambos escrevem no jornal desdizendo-se", afirma o presidente.

Nas colunas citadas, Josias e Rossi não voltam atrás no que escreveram, mas explicam que não levantavam suspeitas sobre o ocupante do Palácio do Planalto. "Não tenho dúvidas quanto à honradez pessoal do presidente", escreveu Rossi.

FHC comemora: "É bom porque assim eles veem que têm que dar uma parada, no fundo é tentativa de me flechar, porque acham que estou pronto para ser abatido".

Josias de Souza, que foi colunista da Folha de 1986 a 2011, afirma que não houve imposição de Octavio Frias. "Ele falou do desconforto do presidente, frisou que não achou a coluna agressiva e perguntou se eu me importaria de esclarecer o episódio", lembra Josias, que hoje escreve sobre política no UOL.

Em março de 1996, o presidente volta a reclamar dos "desatinos" da Folha. Cita coluna do diretor de Redação, Otavio Frias Filho, que o compara a Fujimori (ex-presidente do Peru, que, em 1992, dissolveu o Congresso, censurou a imprensa e fez intervenção no Poder Judiciário).

A referência é ao texto "De rabo para o poder", escrito em resposta a um artigo de José Arthur Giannotti. Embora o filósofo seja o principal alvo da coluna, Frias Filho chama FHC de "candidato a Fujimori local" e de "coveiro de seus próprios ideais".

"Eu não li e não quero ler", diz o presidente sobre esse texto. E conclui: "Eles me chamam de autoritário, imagina você, achar que por aí pega. Só faltava essa".

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LEIA TRECHOS DO DIÁRIO DE FHC

SIVAM

Eu tenho uma hipótese. Com relação ao fundamental, acho que, quando o governo Itamar resolveu que o Sivam devia passar para o controle da Raytheon, o que aconteceu foi que desarticulou o que havia sido

montado ao redor da Thomson, deixando todo mundo tonto. A Raytheon não deu dinheiro nenhum, ganhou porque o financiamento era melhor e porque o governo americano se empenhou politicamente no assunto. Isso desarticulou todo mundo. Eu acho que é o pano de fundo a partir do qual se montou tanta coisa que me parece difícil entender, tanta confusão ao redor de quase nada.

CONGRESSO

É provável que amanhã ganhemos a reforma tributária no plenário da Câmara. Só que, vale a pena registrar, na última hora o [então deputado] Michel Temer mudou coisas muito importantes que havia combinado conosco.

[...] É pouquíssimo. Vai haver uma vitória mais política que substantiva, mas dá para perceber que realmente o Congresso não quer mudar nada no que diz respeito às corporações e aos privilégios.

[...] Este é o Brasil de hoje, onde a modernização se faz com a podridão, com a velharia, com o tradicionalismo, o qual na verdade ainda pesa muitíssimo.

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