"Árvore no asfalto, quem diria", editorial do Estadão


O ESTADO DE S.PAULO


De falta de ideias novas os paulistanos não se podem queixar do prefeito Fernando Haddad. E é inegável que sua fértil imaginação o ajuda a estar frequentemente em evidência. Pena que isso não pode ser tomado no sentido positivo, pois suas ideias estão mais próximas do fogo de artifício - ou da extravagância, como a mais recente - do que da seriedade. Ou seja, com elas a cidade, em vez de ganhar, como seria legítimo esperar de seu governante, quase sempre sai perdendo.

A mais nova invenção do prefeito é plantar árvores no meio da rua, dentro do projeto-piloto chamado, é claro, de Árvore no Asfalto. Felizmente, para alívio geral, não no sentido de impedir a circulação - embora não se deva menosprezar sua audácia de chegar lá um dia -, mas na faixa do que seria o canteiro central, demarcada por sinalização amarela. Já foram plantados 70 ipês-amarelos em buracos abertos no meio do asfalto da Avenida Patrocínio Paulista, na zona leste.

Esclarece a Prefeitura, toda contente, que as árvores escolhidas têm raízes pivotantes, que penetram verticalmente no solo. Com isso se evita a deformação do pavimento, que ocorreria se as raízes se espalhassem literalmente.

As justificativas de Haddad para essa insólita iniciativa são tão estranhas quanto ela própria. Por que plantar árvores no meio da rua, em vez de nas calçadas, como é normal? "As árvores ocupam um espaço precioso da calçada, sobretudo se você pensar no cadeirante, que acaba podendo ficar prejudicado pela estreiteza das calçadas", explica o prefeito.

Brilhante raciocínio. O problema é que, se levá-lo às últimas consequências - e por que não, se acredita tanto nele? -, o prefeito deve promover a retirada das árvores das calçadas de toda a cidade e transferi-las para o meio das ruas. Afinal, essa forma de favorecer os cadeirantes não pode ficar limitada a uma avenida da zona leste.

A cidade que se prepare, pois Haddad parece mesmo disposto a fazer isso. A possibilidade de estender o projeto a outros bairros está em avaliação. Em breve, a paisagem de São Paulo poderá começar a mudar, com milhares, talvez milhões de ipês-amarelos e outras espécies com raízes pivotantes no meio das ruas, a exemplo do que mostra foto da Avenida Patrocínio Paulista publicada pelo Estado.

Outra justificativa é que a cidade precisa ter mais verde. São Paulo, diz Haddad, tem menos de 1 milhão de árvores, o que considera "muito pouco". Além disso, a maior parte está concentrada em áreas de proteção de mananciais. Mal distribuída, portanto. Com isso todo mundo concorda. Mas certamente não concorda com outros dois pontos da questão. Primeiro, que a melhor distribuição signifique o extravagante plantio de novas árvores no meio das ruas.

Segundo, que paire qualquer dúvida sobre a necessidade, sim, de nas áreas de proteção de mananciais se concentrar a maior parte das árvores do Município. Sem descuidar da criação de parques e do plantio de mais árvores nas calçadas - isso mesmo -, Haddad deveria é cuidar de aumentar o verde nas margens de rios e de represas, pois de sua proteção, que cabe à Prefeitura e ao Estado, depende a garantia de abastecimento de água da Grande São Paulo.

Há um outro aspecto do projeto Árvore no Asfalto que precisa ser considerado - o do seu impacto no trânsito. Um especialista em trânsito, Creso Franco Peixoto, afirma o óbvio a respeito da nova ideia de Haddad: "Não se planta árvore desse jeito em avenidas". E explica por que: "A velocidade em avenida é acima de 40 km/h. Se um veículo menor bater na árvore, o impacto tende a ser grande. A avenida em questão desce, sobe e faz curva. Esses são os locais em que mais acontecem derrapagens e fecham a visão do motorista".

A Árvore no Asfalto vem se juntar a outras brilhantes ideias de Haddad - a das faixas exclusivas para ônibus e a das mal concebidas ciclovias - com as quais ele pensa estar mudando o "padrão civilizatório" e o "paradigma de mobilidade urbana" de São Paulo. Quanta modéstia. O ridículo de tal pretensão, agora agravado, só tem prejudicado a cidade.

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