À beira da cassação no Congresso, o ex-ministro-chefe da Casa Civil
José Dirceu teria afirmado a um emissário dos Estados Unidos que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "que não faz muito por iniciativa
própria", deveria ter "prestado atenção" ao cultivo de "fontes legítimas
de financiamento" das eleições de 2002. Para Dirceu, que em outra
conversa admitiu caixa dois em suas campanhas eleitorais, Lula deveria
ter atraído o PMDB para o governo logo no princípio. A estratégia foi
feita na campanha da presidente eleita Dilma Rousseff.
O petista admitiu "que as lideranças do PT pós-2002 vieram com
um esquema ilegal de financiamento 'louco e perverso' que está no centro
das investigações correntes como resposta às pressões dos pequenos e
mercenários partidos aliados, PTB, PL e PP, e da campanha de 2002 do
marqueteiro Duda Mendonça", escreveu o embaixador John Danilovich, em
telegrama ao Departamento de Estado em 19 de agosto de 2005, ao
escândalo do mensalão. O documento foi divulgado ao GLOBO pelo grupo
WikiLeaks.
Segundo Danilovich, Dirceu era personagem "quente demais" para
que fosse visitado por uma missão oficial. Por isso, a visita a seu
apartamento em Brasília foi feita pelo assessor especial William Perry, a
quem Dirceu já conhecia havia anos. Os dois se encontraram para um café
da manhã em 17 de agosto.
A Perry, Dirceu falou mal do ex-presidente do partido, o deputado
José Genoino, e do governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro,
que assumira a presidência interina do PT em meio à crise do mensalão.
Dirceu chega a dizer que o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares não é
seu "cara". Delúbio foi expulso do PT como um dos únicos punidos no
caso.
Embora o ex-ministro tenha negado participação no esquema, o
embaixador não se convenceu: "Dirceu se dissocia totalmente de qualquer
culpa e sustenta o 'eu não sabia'", escreve ele, dizendo que
"compartilha do mesmo ceticismo" da imprensa e de políticos, que
consideram essas posições como "ridículas" diante do poder que o
ex-ministro exercia no PT e no governo.
Sobre o PMDB, Danilovich reporta que o presidente Lula, na
opinião de Dirceu, deveria ter trazido o partido, assim como outras
legendas maiores desde o princípio do governo, com cargos ministeriais.
Na ocasião, o ex-ministro avalia que Lula não está lidando habilmente
com a crise política.
Ao amigo americano, Dirceu se mostra desanimado com o futuro
político tanto seu quanto de Lula. Diz que, caso Lula "fique deprimido",
nem concorrerá à reeleição e que, caso concorra, perderá. Diz estar
"resignado" com a cassação iminente. O ex-ministro diz ainda que pensa
em passar um período nos EUA, estudando inglês e escrevendo um livro.
"Contudo, não podemos deixar-nos crer que esse camaleão cruel e
brilhante está disposto a ir tão silenciosamente noite adentro. Não
ainda", comenta o embaixador.
Outro telegrama, de 13 de outubro de 2005, reporta um almoço
entre Dirceu, amigos e um diplomata do Consulado Geral de São Paulo no
dia em que o PT elegia sua nova direção. Nele, Dirceu confirma o uso de
caixa dois em campanhas pessoais e diz que todos os políticos
brasileiros usam a prática.
"Dirceu não parece muito interessado em discutir a reforma
política", mas "reconheceu que os candidatos, inclusive Lula, têm de
usar a reforma como tema de campanha", escreve o diplomata Arnold Vela,
revelando a conversa com o ex-ministro. "Dirceu admitiu que ele mesmo
habitualmente gasta duas vezes mais do que reporta em sua própria
campanha e que todos os políticos brasileiros empregam alguma forma de
'caixa dois' (recursos não contabilizados)", continua o americano.
Fonte: Tatiana Farah - O Globo
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