‘Laranja’ disse que devolveu R$ 650 mil em dinheiro vivo a compadre de Lula


Glaucos da Costamarques disse em juízo que fez dois saques de R$ 300 mil e R$ 350 mil e entregou a emissários de Roberto Teixeira, em carro blindado com cofre, depois de pedido de devolução dos R$ 800 mil recebidos por participação na compra de terreno para Instituto Lula, em 2010

Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo - Estadão

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Roberto Teixeira e Lula

Em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, no dia 6 de setembro, o aposentado Glaucos da Costamarques, acusado de ser o “laranja” de Lula na compra do apartamento 121 do Edifício Hill House, vizinho do 122, onde mora o petista, em São Bernardo do Campo, e na compra do terreno do Institito Lula, em São Paulo – negócios que tiveram propinas da Odebrecht -, afirmou que “devolveu” R$ 650 mil em dinheiro vivo dos R$ 800 mil que recebeu pela participação nos negócios.

O dinheiro teria sido pedido pelo advogado e comprade do ex-presidente Roberto Teixeira e retirado por dois emissários em um carro blindado com cofre debaixo do banco, segundo contou Glaucos da Costamarques.

Documento

Glaucos da Costamarques

“Algum tempo depois de tudo resolvido (os negócios dos imóveis), eu estava já lá tranquilo, o Roberto Teixeira falou: Ó Glaucos, você podia devolver esse lucro que você teve para o Instituto Lula”, disse Glaucos, interrogado como réu no processo em que Lula é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro pelo acerto de R$ 12,4 milhões de propinas da Odebreht.

O Ministério Público sustenta que Costamarques recebeu R$ 800 mil em dezembro de 2010 por ter sido “laranja” de Lula, nos negócios conduzidos por Teixeira. O valor embutia R$ 504 mil usados por ele quatro meses para comprar o apartamento 121 do Hill House e ainda a comissão de R$ 172 mil por ter sido “laranja”, além dos gastos de impostos.

O apartamento 121 do Hill House está em nome de Glaucos desde 2011 e é vizinho ao apartamento em que mora o petista e um dos pivôs de uma ação penal sobre supostas propinas da Odebrecht para Lula.

A defesa do ex-presidente afirma que ele é locatário do apartamento 121, desde 2003. E que desde 2011 aluga o imóvel de Glaucos, pagando aluguel regularmente. Lula afirma que tem os recibos originais dos pagamentos.

“Eles não chamavam Instituto na época, hoje que, ele deu um nome lá, museu, qualquer coisa assim. Eu, na época, e aí, eu fiquei revoltado com o negócio, ué, eu faço um negócio. Aí fui falar com o Zé Carlos, ‘Zé Carlos, eles tão pedindo para eu devolver esse dinheiro, não tem cabimento, eu paguei imposto, tudo, você me falou que era para conversar com o Roberto Teixeira que ele tinha um bom negócio, mas que bom negócio, eu arrisco o meu dinheiro, porque se não desse certo eu tinha que pagar, se não desse certo esse Flip, como é que é? Não vou fazer isso não’.”

O bom negócio era a intermediação de compra do terreno da Rua Haberbecke Brandão, em São Paulo, que foi comprado para ser sede do Instituto Lula, também no segundo semestre de 2010. O imóvel foi adquirido pela DAG Construtora, a pedido da Odebrecht. A empresa foi uma espécie de “laranja” para ocultar as propinas pagas pela Odebrecht. Segundo Glaucos, os R$ 800 mil eram pela cessão de direito do imóvel que ele obteve por intermédio de Teixeira, sem nenhum custo.

A Moro, o “laranja” disse que o primo José Carlos Bumlai, pecuarista amigo de Lula que tinha livre acesso ao Planalto e foi preso pela Lava Jato, em 2015, pediu que ele efetivasse a devolução. “Não Glaucos, eu não posso me indispor com esse pessoal, faz isso por mim”, teria dito Bumlai.

“Eu falei: ‘Mas eu já gastei, eu posso até fazer isso por você, devolver, mas eu não vou devolver os 800 mil, porque eu paguei 120 mil de imposto e tive algumas despesas, e viagem para vir e umas coisas assim’, eu falei: ‘Olha, eu vou, eu posso até devolver, mas eu vou devolver 650, que é o 120 mais algumas despesas.”

Moro quis saber do “laranja” se ele entregou o dinheiro. “Eu entreguei os 650 mil para eles. Isso aí já começou a me desgastar.”

Questionado pela procuradora regional da República Isabel Cristina Groba Vieira, da força-tarefa da Lava Jato, Glaucos disse que tem como informar detalhes dos dois saques que fez. “Eu tenho os saques. Foi no Unibanco.”

“E esse dinheiro foi entregue. Depois o que houve em relação a esse valor? Quais foram as conversas havidas depois dessa entrega?”, insistiu a procuradora.

“Não, eu entreguei, eles falaram que tudo bem e ficou, isso aí.”

Carro blindado. Em juízo, o “laranja” afirmou que o advogado e comprade de Lula enviou um carro blindado com cofre para retirar o dinheiro. “Eu estava preparando para devolver, e o Roberto Teixeira falou: ‘Ó, vai um carro pegar esse dinheiro aí’, eu falei: ‘Mas como?’.

Glaucos afirma que Teixeira pediu que ele preparasse a devolução e que tinha que “ser em dinheiro”.

“Eu falei com Zé Carlos de novo: ‘Zé Carlos, que negócio é esse, tem que ir lá no banco e tirar 650 mil?’ Ele falou: ‘É, é faz isso Glaucos, faz, faz o que ele está pedindo’.”

O “laranja” afirma ter ido ao banco e retirado em “duas parcelas”. “Demorou uns 5 dias, eu tenho o saque que eu fiz de (R$) 350 (mil) e (R$) 300 (mil), levei para casa e eles mandaram um carro blindado.”

Glaucos detalhou uma suposta conversa com os dois motoristas do carro blindado. “Eu fiquei sabendo que era o carro blindado o dia que eles apareceram na frente da minha casa, pediram, deram o meu endereço tal, tal dia vai aparecer aí, o carro tinha dois motoristas que falaram para mim que eles vinham revezando, que eles eram especialistas em transporte de dinheiro.”

O “laranha” disse que perguntou sobre esse transporte de vaolores. “Ele falou? ‘O carro é blindado e tem um cofre dentro do banco traseiro’. Aí eu fui olhar. O banco, é um banco normal. Mas aí eles têm um jeito de abrir o banco e pôr o dinheiro.”


Aluguel. A Lava Jato afirma que Glaucos é apenas um “laranja” e que não recebia aluguel do apartamento até novembro de 2015. Em seu depoimento a Moro, o “laranja” disse que não recebeu nada entre 2011 a 2015 e que comprou o apartamento a pedido do primo Bumlai.

“Olha Glaucos, não esquenta com isso aí, isso aí mais para a frente a gente acerta. Não fica preocupado”, teria dito Bumlai, ao ele cobrar os pagamentos do aluguel que não foram feitos.

“Aguardei não me pagaram o primeiro mês, não me pagaram o segundo mês, aí eu fui lá falar com o Zé Carlos, ‘Zé Carlos, o que está acontecendo que eles não tão pagando o aluguel? Será que eles esqueceram?’, porque eu passei os dados para o Roberto da minha conta, tudo.”

Questionado pelo juiz, ele afirmou: Comecei a receber esse aluguel em 2015. Eu lembro da data porque eu entrei no hospital para fazer um check-up e eu estava no hospital.” Intimado por Moro, o hospital não encontrou registros da visita do comprade de Lula a Glaucos.

Glaucos afirmou a Moro que o aluguel não era sua maior preocupação, mas sim o recebimento do dinheiro gasto por ele na compra do apartamento 121, “nunca pago por Bumlai”. “Eu reclamei e nunca reclamei dos aluguéis porque o foco era eu receber, porque eu tinha emprestado.”

Juiz: “Então deixa eu ver se eu entendi, de fevereiro de 2011 a novembro de 2015 o senhor não recebeu nenhum valor por esse…”

Glaucos: “Não”.

No dia 25 de setembro, a defesa do ex-presidente apresentou documentos que contestam a versão dos procuradores e de Glaucos. Os advogados do ex-presidente anexaram um contrato da ex-primeira dama Marisa Letícia com Glaucos e recibos de pagamento. Dois dos comprovantes apresentam datas que não existem no calendário. Parte dos documentos ainda apresenta os mesmos erros de ortografia.

O Ministério Público Federal, no Paraná, entrou com um incidente de falsidade, em 4 de outubro, para apurar a autenticidade dos documentos apresentados pela defesa do ex-presidente e cobra os recibos originais. Os procuradores afirmaram que os comprovantes são ‘ideologicamente falsos’ e pediram perícia.


Compra. O “laranja” diz que comprou o 121 a pedido de Bumlai. “Olha, esse apartamento você pode comprar para mim? Porque eu estou sem dinheiro agora e nós estamos com, não queremos que alguém estranho compre o apartamento e mude para lá”, teria dito o pecuarista.

Segundo ele, Bumlai e Teixeira teria dito a ele que o “apartamento tem que continuar alugado”.

Foi o comprade de Lula que pediu para que ele fizesse “os três cheques, administrativos” para compra do apartamento 121, em agosto de 2010, adquirido da família do antigo proprietário. “Um de 390 mil, um de 94 mil e um de 20 mil, totalizando 504 mil. Esses cheques eu fiz no dia 11 de agosto de 2010. Fui lá no Banco do Brasil.”

“Aí, eles pediram que queriam ficar alugado para o Lula. Então eu fiz um contrato, Roberto Teixeira que me trouxe, fiz um contrato com a dona Marisa Letícia.”

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