FHC diz que reforma política permitirá reequilíbrio entre os três poderes


ANA LUIZA ALBUQUERQUE - FOLHA.COM

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Em um cenário de crescente judicialização da política, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) diz acreditar que a reforma política permitirá que o Congresso seja aceito pela sociedade como seu representante.

"Enquanto isso não for aceito, o Judiciário vai avançando", afirmou em debate sobre a Lava Jato no instituto que leva seu nome, nesta terça (22), em São Paulo.

"Quem o povo acha que pode ser presidente? Os juízes. Se for para a Presidência, vai ser um desastre."

FHC ressaltou que o país já passou por momentos piores e afirmou que é preciso "reequilibrar os poderes". "Hoje sabemos os nomes de todos os ministros. No passado, sabíamos de todos os comandantes. A tensão era permanente porque os militares que tomariam a decisão. Isso acabou. Agora temos que reequilibrar os poderes."

Também sobre a reforma política, FHC disse que a Constituição de 1988 preocupou-se em criar um "sistema de distribuição de poder bastante amplo", visando as liberdades em um momento pós-ditadura, mas que não discutiu como financiar a democracia.

"Não houve clareza no modo de fazer e isso gerou uma corrupção que passou a ser quase a base de sustentação do poder", afirmou.

O ex-presidente disse que a Lava Jato tem importância "enorme", mas afirmou que é preciso "equilíbrio".

"Justiça não é só acusação, só delação, ainda que premiada. Há um sentimento na sociedade de vingança, que também não é aceitável."

Participaram do debate os advogados Beto Ferreira, Heloísa Estellita e Pierpaolo Bottini e a procuradora regional do MPF-RJ Silvana Batini.


VITÓRIAS E TROPEÇOS

Palestrantes durante debate no Instituto Fernando Henrique Cardoso, nesta terça
Giovanni Bello/Folhapress 

Em um primeiro momento, os palestrantes foram convidados a fazer um balanço da Lava Jato. Bottini destacou o uso e aprimoramento de institutos como os acordos de leniência e as delações premiadas, assim como um "avanço da organização do Ministério Público e do Judiciário".

Entre os problemas, listou o que entende como um esgarçamento nos fundamentos da prisão preventiva, uma "inconstitucionalidade" no uso da condução coercitiva e dificuldades nas colaborações premiadas. Segundo o advogado, o perigo é a delação ser tratada como prova. Ele também ressaltou que o "uso exagerado" da colaboração e da leniência pode causar "injustiças graves" ao sistema.

Estellita enalteceu a importância da delação premiada. "Se tivesse que escolher só uma causa para o sucesso da operação, seria essa", disse. Ela afirmou ver um retrocesso em relação à admissão da prisão preventiva no âmbito da Lava Jato. "Seria muito importante reconduzir a prisão preventiva à excepcionalidade."

Batini disse que a Lava Jato não é mais somente uma operação. "É uma marca, um padrão de enfrentamento desse tipo de criminalidade", afirmou. Segundo a procuradora-regional, entre as características deste padrão está o trabalho em equipe integrado verticalmente e integrado a outras instituições (como a Controladoria-Geral da União e a Receita Federal) e o uso da tecnologia.

Ferreira afirmou que a operação teve um resultado positivo na transparência, "mas que requer bastante equilíbrio em um momento de tensionamento econômico, político e institucional".


JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Bottini respondeu afirmativamente a uma pergunta da plateia que questionou se o STF (Supremo Tribunal Federal) é sensível à opinião pública. Ferreira falou em um processo de "ativismo judicial".

Estellita foi mais enfática e defendeu que juízes não devem se manifestar porque em sua essência deve estar a imparcialidade. "Sempre vi com muita reserva o uso da TV Justiça. É pernicioso e contraproducente a transmissão das decisões do STF", acrescentou.

Do outro lado, Batini afirmou que a exposição do Judiciário era "inevitável". "Reconheço que é preciso buscar um equilíbrio. A figura do juiz exige recato, mas não gosto da ideia de excluir essas categorias do debate público", disse.


2ª INSTÂNCIA

Os palestrantes também discordaram sobre a decisão do STF que permitiu a execução da pena a partir da condenação em 2ª instância. Batini disse que considera a medida um "avanço" e que a decisão está "em perigo". Para ela, um novo entendimento geraria um descrédito "muito grande" para o Supremo. "A jurisprudência do STF não pode mudar quando muda o réu. Se voltar, é um golpe muito grande."

Ferreira, Bottini e Estellita, por outro lado, condenaram a decisão do Supremo ao afirmar que era papel do Legislativo promover a mudança.

Estellita afirmou que a medida foi "inconstitucional". "A Constituição diz que não pode cumprir pena se não foi transitado em julgado [quando se esgotam todos os recursos]. Está ruim? Manda um projeto de emenda. Sou contra o Supremo legislar, não os elegi."

Bottini se disse preocupado com momentos em que a sociedade desconfia do Legislativo e atribui decisões "a quem quer que seja que não foi eleito".

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