"Doria é popular porque é bom zelador", artigo de Leão Serva


Folha de S.Paulo

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A neurociência tem mostrado que o ser humano tem opinião prévia sobre as coisas: diante de um objeto qualquer, forma sua avaliação em uma fração de segundo (cerca de 1/200 para imagens, por exemplo). Depois vai buscar explicações racionais para a decisão. Isso vale para a compra da casa própria, um novo romance ou políticos. João Doria (PSDB) irrita os analistas políticos desde que anunciou sua candidatura. Os eleitores, ao contrário, gostam de sua performance.

Sinal desse descompasso entre jornalistas e opinião pública são vaticínios de que o prefeito vai tropeçar em breve: erraram nas prévias do PSDB, na eleição e na pesquisa Datafolha deste fim de semana (eu mesmo, neste espaço, apostei que ele perderia nas duas etapas de 2016). Mesmo assim, analistas insistem: ele terá dificuldades para manter a popularidade. Trata-se de uma obviedade: se não continuar sendo um bom prefeito aos olhos da maioria dos eleitores, vai cair nas pesquisas.

Uma outra pesquisa Datafolha, sobre as razões que levaram ao voto na eleição do ano passado, mostrou que os eleitores deram a Doria a vitória no primeiro turno porque se encantaram principalmente com suas propostas para a saúde. Pois ele tomou posse e em poucos meses apresentou resultados inéditos na redução das filas de exames por imagem, para os quais falta infraestrutura na rede pública.

Feitos os diagnósticos, aumenta a fila para as consultas de retorno. Agora ele terá dificuldades, alertam os oráculos: sim, mas trata-se de um desafio muito mais simples, pois depende apenas de recursos existentes na rede pública.

Além da saúde, a análise histórica das curvas de aprovação em São Paulo revela sem sombra de dúvidas: a popularidade de um prefeito tem correlação absoluta com o preço da passagem de ônibus. Doria congelou o Bilhete Único. Desde aquele momento era previsível que ele terminaria o ano (ou o período de congelamento da tarifa) com alta popularidade.

Os oráculos alertam para o fato de que isso exige mais subsídios. Óbvio, mas a solução é simplesmente uma questão de prioridade, semelhante à que faz a dona de casa economizar em tomate para gastar em frango.

Por fim, outra coisa que irrita muito os que não gostam de Doria é sua fantasia semanal de gari. São provavelmente pessoas que adoravam ver Lula e Dilma vestidos de petroleiros, sujando a mão no óleo. Cada um curte a fantasia que admira. Mas a participação de autoridades na limpeza das ruas é prática elogiável: Tóquio era uma cidade suja até os anos 1950, fez uma revolução cultural nessa área, que envolveu levar às ruas ricos e pobres para fazerem zeladoria de suas quadras. É algo simbólico que, mantido com persistência, pode mudar o nojo que são nossas ruas.

O que me parece que falta aos analistas e à opinião pública em geral é a capacidade de perceber que Doria pode estar quebrando um paradigma da administração pública brasileira: a de que zeladoria não dá votos. A aprovação de Gilberto Kassab (PSD) no primeiro mandato (o da Cidade Limpa, 2006-2008) deu todos os sinais de que um prefeito zelador pode ser popular. E essas atividades (agora reunidas sob o nome Cidade Linda) custam muito menos do que grandes realizações. São perfeitas para um tempo de crise orçamentária, como os analistas garantem que estamos vivendo.


*Leão Serva é ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. 

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