O road show de Alckmin


Sem dinheiro em caixa para obras, o governador de São Paulo vai aos EUA vender concessões de quatro rodovias. Conheça as novas regras dos leilões e a engenharia financeira, que terá uma participação mais tímida do BNDES

Luís Artur Nogueira - ISTOÉ DINHEIRO

Geraldo Alckmin, governador de São Paulo: 
“Nós queremos atrair fundos de pensão e de investimentos no exterior”


No auge da crise financeira, o secretário de Governo de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, recebeu do seu chefe, o governador Geraldo Alckmin, a missão de estruturar um programa de investimentos em rodovias sem que o Estado precisasse alocar recursos. E mais: as tarifas de pedágio deveriam ser menores que as atuais, mas com uma taxa de retorno (TIR) atraente para os investidores. Abreu Filho e sua equipe elaboraram quatro projetos, num total de 1.730 quilômetros, que serão concedidos à iniciativa privada, com uma TIR referencial de 9,83% ao ano, incluindo a possibilidade de contratar swap cambial – para os estrangeiros, a enorme volatilidade do dólar no Brasil é um fator de risco.

A etapa mais difícil, no entanto, ainda precisa ser vencida: a estruturação financeira dos projetos que, a exemplo das concessões anunciadas pelo governo federal, terá uma participação mais tímida do BNDES. “O Brasil ficou barato para o estrangeiro”, diz à DINHEIRO Alckmin, que está de malas prontas para os Estados Unidos, onde tentará convencer fundos estrangeiros a participar dos leilões. “Houve uma mudança importante no câmbio e o custo de capital lá fora também é menor.” O desembarque em Washington ocorrerá na quarta-feira 9, quando o governador terá reuniões no Banco Mundial (Bird) e no IFC (International Finance Corporation), órgão ligado ao Bird que auxilia o setor privado em países emergentes.

Além de chancelar a licitação paulista do ponto de vista da sustentabilidade financeira, o IFC auxiliou o governo a fazer um market sounding (sondagem de mercado), no qual 40 players locais e estrangeiros foram ouvidos. O resultado das demandas foi a elaboração de um relatório de 100 páginas com todos os tópicos questionados. “Uma das coisas mais sensíveis para o investidor é a projeção de demanda nas rodovias”, diz Karla Bertocco, subsecretária de Parcerias e Inovação da Secretaria de Governo de São Paulo, que acompanhará o governador e o secretário Abreu Filho no road show. “A crítica que eles fazem a outros projetos é que o governo superestima as receitas e subestima os investimentos para mostrar que é mais atrativo.”

Para conferir mais credibilidade aos editais, foram contratadas consultorias e auditorias independentes, como as brasileiras Logit, Tecnit e JGP e as britânicas Steer Davis Gleave e Allen Overy. Um data room virtual, com as informações dos projetos em português e inglês, ficará à disposição dos interessados em participar dos leilões. Após a escala na capital americana, o destino será Nova York, onde serão realizados encontros com potenciais investidores. Folhetos em inglês com os detalhes dos quatro projetos e as rotas traçadas num mapa de São Paulo serão distribuídos aos interessados.

O primeiro projeto, cujo edital foi lançado na sexta-feira 4, é a rodovia Centro Oeste Paulista, que liga os municípios de Florínea, na divisa com o Paraná, até Igarapava, na divisa com Minas Gerais, num total de 570 quilômetros. Ao longo de 30 anos, serão investidos R$ 3,9 bilhões em 200 quilômetros de duplicações, na construção da terceira faixa de rolamento, acostamento, passarelas, viadutos, atendimento médico e mecânico, e na instalação de rede de internet wi-fi, câmeras e equipamentos de pedágio de caminhões em movimento, entre outros itens.

O plano de investimentos pode ser revisado a cada quatro anos. A outorga fixa mínima será de R$ 795 milhões – metade será paga na assinatura do contrato (acrescida do ágio do leilão) e o restante será pago no fim do contrato. Além disso, há a outorga variável de R$ 623 milhões que será quitada em prestações mensais na mesma proporção em que oscilar a arrecadação com pedágio. Pela primeira vez desde 1998, quando o então governador Mário Covas iniciou as concessões de rodovias paulistas, o leilão será realizado na Bovespa.

No governo Dilma Rousseff, as licitações de aeroportos e estradas também foram feitas no antigo pregão da Bolsa. Alckmin tem pressa. A abertura dos envelopes da rodovia Centro Oeste Paulista está prevista para fevereiro. O intervalo de 100 dias entre o lançamento do edital e realização do leilão, que servirá para a formação dos consórcios, foi um pleito dos investidores, que reclamaram do curto período adotado nas concessões realizadas por Dilma. Concluído o leilão, a assinatura do contrato será feita em abril e as primeiras obras começarão em maio.

O segundo projeto que será apresentado nos Estados Unidos é o da Rodovia dos Calçados, que começa no município de Itaporanga, no sudoeste do Estado, passa por Jaú, que possui muitas indústrias de calçados femininos, e chega até o tradicional polo calçadista de Franca, num trecho de 747 quilômetros. O edital, que será publicado em dezembro, prevê investimentos de R$ 4,5 bilhões ao longo de 30 anos. A outorga mínima ainda não foi definida, mas, segundo a área técnica, deve ser similar à da Rodovia Centro Oeste Paulista. Haverá ainda outras duas concessões cujos cronogramas estão sendo elaborados.

A Rodovia do Litoral Paulista, que liga as cidades de Miracatu, no sul do Estado, e Ubatuba, no norte, num total de 343 quilômetros, e o trecho norte do Rodoanel, que está sendo construído pelo governo paulista a um custo total de R$ 9,4 bilhões, e deve ficar pronto em 2018. Ainda não há previsão de valores. Na conversa com os investidores, a comitiva paulista quer transmitir uma mensagem clara sobre segurança jurídica, tema que causa calafrios nos estrangeiros. “Aqui, em São Paulo, o projeto tem começo, meio e fim, com mensuração dos riscos de desapropriações, dos riscos ambientais, tudo pronto para o investidor olhar e saber até o tráfego medido em tempo real”, afirma o secretário Abreu Filho. “Do ponto de vista de maturidade de projeto, nós estamos num patamar sem comparação.”

Além do gigantismo econômico (o Estado de São Paulo representa quase 21% do PIB nacional), serão destacados outros fatores diferenciais, como a localização estratégica e a diversificação da economia local, o que minimiza o impacto das crises no volume de carros e caminhões que circulam nas estradas. O esforço de convencimento, entretanto, será redobrado pelo fato de que o Brasil – e o próprio Estado de São Paulo – perderam o grau de investimento. Os grandes fundos de pensão internacionais têm, em seus regulamentos, a proibição de aplicar recursos em economias que não possuem esse selo de bom pagador.

“Os investidores estão muito focados em analisar se o projeto está redondo, independentemente da situação do Brasil”, diz Bertocco. “Eu ouvi de um vice-presidente de um banco que a América Latina tem muita necessidade de infraestrutura, mas que isso precisa mudar para oportunidade.” Após a viagem aos Estados Unidos, o governo paulista planeja realizar um road show similar na Europa. Para a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), o modelo de concessões de estradas é “reconhecidamente um sucesso”. “Pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) revelou que 94,4% das rodovias paulistas concedidas são ‘ótimas’ ou ‘boas’”, destaca a entidade, em nota.

Para atrair o maior número possível de participantes, as regras para a formação dos consórcios foram flexibilizadas, com menos requisitos técnicos na área de construção. A ideia é facilitar a formação de grupos de investidores que tenham dinheiro e experiência em operação de rodovias. Para realizar as obras, os consórcios vencedores poderão contratar construtoras que não tenham nenhuma ligação com eles. Indagado pela DINHEIRO sobre quem faria as obras num contexto em que as grandes empreiteiras estão enroscadas com a Lava Jato, Alckmin disse que “tem muita empresa média querendo crescer” .

Para o Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado de São Paulo (Sinicesp), as novas concessões são, de fato, uma oportunidade para os players menores que jamais conseguiriam liderar um consórcio. “Após vencer a licitação, o grupo concessionário que não tiver uma construtora terá de procurar alguém que sabe fazer estrada”, diz Aluízio Cupertino, presidente do Conselho Superior do Sinicesp. “É uma chance clara de negócios para as pequenas e médias.”

Além do capital próprio dos investidores e da possível emissão de debêntures de infraestrutura, a engenharia financeira conta com a participação do BNDES. Porém, com a nova política econômica do governo Michel Temer, o banco de fomento só vai financiar até 50% (nas concessões federais anteriores, o limite era de 70%). O governador Alckmin salienta que o BNDES apóia as concessões paulistas e que os técnicos do banco vêm acompanhando as etapas dos projetos.

Procurado pela DINHEIRO, o BNDES confirma as tratativas e garante as mesma condições oferecidas para as rodovias federais que serão leiloadas a partir do ano que vem, com prazo de financiamento de até 15 anos (o limite anterior era de 20 anos). “O Banco vem conversando com os interessados”, diz, em nota, o BNDES, que não vai mais oferecer empréstimo-ponte, uma linha de crédito que era utilizada num primeiro momento da concessão até que o financiamento de longo prazo fosse aprovado. O custo será a TJLP mais juros de 1,5% ao ano acrescido do risco de crédito.

No tête-à-tête com os investidores, em Nova York, Alckmin sabe que não escapará de algumas perguntas espinhosas: O impeachment foi golpe? São Paulo está quebrado como o Rio de Janeiro? Quando o Brasil voltará a crescer? Por que investir em infraestrutura se o título público paga bem mais? As respostas, o governador já tem na ponta da língua (leia entrevista abaixo). Há uma questão política, no entanto, que não deixará os estrangeiros plenamente convencidos de sua resposta: O sr. será candidato em 2018? “Só se fosse para o Santos Futebol Clube”, responderá Alckmin, com um indisfarçável sorriso.

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