"Contagem final", editorial da Folha


Folha de S.Paulo


Num resultado sem surpresas, a comissão especial do Senado encarregada de avaliar o impeachment de Dilma Rousseff (PT) aprovou por 15 votos a 5 o relatório de Antonio Anastasia (PSDB-MG), que recomenda a admissão do processo contra a presidente.

A decisão passa agora ao plenário, onde também se prevê a derrota do governo. Sendo necessária apenas a maioria simples dos senadores presentes à sessão para que tenha início o processo, tudo indica que o afastamento da presidente se efetivará nesta semana.

Do ponto de vista formal, trata-se ainda de uma suspensão temporária, a perdurar pelo prazo máximo de 180 dias. Somente depois de concluído o julgamento, com a devida observância da ampla defesa, será enunciado o veredito.

Do ponto de vista prático, não parece plausível que nessa altura, com o atual vice Michel Temer (PMDB) exercendo a Presidência, uma reviravolta venha a determinar o retorno de Dilma à cadeira que mal ocupa nestes dias.

Em outras situações, talvez fosse possível imaginar que um processo no Senado aduzisse evidências e argumentos novos a favor ou contra o impeachment.

O caso de Dilma não apresenta, a rigor, dúvidas factuais em relação aos decretos não autorizados ou às chamadas pedaladas fiscais.

É sobretudo quanto aos aspectos conceituais ou teóricos que se pode observar, como esta Folha tem feito, um descompasso entre a tecnicalidade dos fatos apontados e o que há de drástico, traumático e divisivo na punição que estes podem acarretar.

Ao longo desta crise, certos pormenores de gestão orçamentária e fiscal ganharam vaga familiaridade entre os setores mais vigilantes da opinião pública. Ao mesmo tempo, solidifica-se com insistência, na menor parcela dos que ainda defendem o atual governo, o discurso de que a presidente estaria sendo vítima de um golpe.

Dilma está sendo vítima, antes de tudo, da inabilidade, da incompetência e da obstinação no erro com que conduziu o seu governo. A mesma obstinação, agora inflamada por uma aposta na retórica do golpismo, levou-a a recusar a alternativa da renúncia.

Paradoxalmente, a atitude permite a Michel Temer prosseguir na montagem de um governo que se fundamenta muito mais na lógica do fato consumado do que em indubitável legitimidade popular. Por que haveria ele de renunciar, em prol de novas eleições, se o gesto não parte da própria presidente?

A "realpolitik" afasta, por certo, hipóteses dessa natureza. A crise prossegue. Seu final está praticamente anunciado -e, ainda assim, nenhum futuro se deixa entrever.

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