"Pacto esquecido", editorial da Folha


Folha de S.Paulo


Falta ainda a totalização dos dados estatísticos, mas o ano de 2015 não terá por que ser diferente dos anteriores num aspecto que se inscreve entre os mais trágicos e deprimentes do cotidiano nacional.

Mantém-se perto de 60 mil por ano o número de homicídios cometidos no Brasil. Segundo estudos da ONU, a cada dez assassinatos no mundo, um ocorre em nosso país.

Vêm a propósito, portanto, as observações da coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, Julita Lemgruber, em artigo publicado na seção "Tendências/Debates" do último dia 27.

A especialista lembra que, há pouco mais de um ano, o governo Dilma Rousseff (PT) anunciava o propósito de empreender um pacto nacional para mudar essa inaceitável realidade. Nada se fez, todavia.

Verdade que o pacto pressupõe a colaboração das autoridades estaduais, responsáveis diretas pela área da segurança pública.

Em outubro de 2015, o Executivo federal revelou que solicitara a todos os Estados informações sobre quais políticas implementavam pela redução desse tipo de criminalidade e o quanto do Orçamento aplicavam em segurança pública.

Já é de estranhar que o acesso a tais dados tenha de depender de solicitação especial. Apenas 11 Estados, de todo modo, deram-se ao trabalho de responder à questão sobre suas despesas no setor. Os contrastes, aliás, são gritantes: enquanto a Bahia dedica 10% de suas verbas à segurança, no Rio de Janeiro os gastos se reduzem a 2%. Diferenças econômicas regionais –e a conhecida disparidade de salários entre as polícias de cada Estado– relativizam a possível atribuição de responsabilidades diretas a cada governante nesse ponto. Comprovam, porém, a inexistência de uma estratégia nacional para o enfrentamento do problema.

Isso se reflete, de resto, nas oscilações que conhece a taxa de homicídios conforme os Estados e as regiões. Vão dos 55 por 100 mil habitantes em Alagoas, recordista nesse ponto, aos números de São Paulo, inferiores a 10 em 2015 –e melhor exemplo nesse quesito.

Em qualquer parte do Brasil, contudo, parece persistir uma mentalidade que vai em sentido inverso aos esforços, esparsos ou inexistentes, de modificar a situação.

Fortalecem-se os grupos favoráveis a rever o Estatuto do Desarmamento; num país em que a cada três horas alguém é morto pela polícia, prevalecem os elogios à truculência das forças de segurança.

O pacto pela redução dos homicídios, enquanto isso, parece também ter sido esquecido no vasto cemitério das promessas federais.

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