"2016 não é 2013", artigo de Hubert Alquéres


Blog do Noblat - O Globo


A liderança do Movimento Passe Livre ainda não entendeu. A história - como dizia um filósofo alemão - não se repete a não ser como farsa e, definitivamente não estamos em 2013. Naquele ano o MPL foi a faísca que incendiou a pradaria porque havia uma agenda muito mais ampla, aglutinadora de bandeiras tangíveis e transversais.

A horizontalidade das jornadas também contribuiu para seu sucesso. As manifestações multitudinárias não foram produto da ação de um pequeno grupo, de uma vanguarda iluminada, mas da identificação de milhões e milhões de brasileiros com uma pauta de reinvindicações factíveis, que diziam de perto às suas angústias, como o clamor por serviços públicos de qualidade.

Houve, claro, a ação ensandecida dos black blocs, mas descoladas das massas. Só na cabeça de alguns malucos as manifestações se voltavam contra a “ordem burguesa”, contra a “exploração capitalista”. Registre-se: esses lunáticos foram minoria, não deram o tom de um ano tão marcante como 2013. E quanto mais pacífica as manifestações, mais adesão e simpatia granjearam.

Aí vem a farsa. Sem ter a menor capilaridade na sociedade e com objetivo tão demagógico como pueril – a tarifa zero nos transportes urbanos - o MPL promove agora um simulacro de 2013, numa reedição tosca das concepções de Auguste Blanqui, do século XIX. Blanqui acreditava, piamente, que a história se movia pela ação vanguardista de um punhado de abnegados.

Se fosse apenas um blanquismo tardio, seria menos nefasto.

O problema é que a forma primitiva de luta adotada pelo MPL volta-se na verdade contra os trabalhadores, os principais usuários do sistema de transportes públicos. Qual o sentido, por exemplo, de se realizar uma manifestação na Estação da Luz, em São Paulo, no horário de pico? Quem pega o trem para chegar até a sua casa na periferia? É a tão odiada burguesia?

Os ventos mudaram e o MPL não percebeu. Em 2013 havia uma pré-disposição dos brasileiros para apoiar as manifestações, se solidarizar com quem foi alvo de uma repressão desproporcional. A crise ética, econômica e política do governo Dilma Rousseff mudou o humor das pessoas, deixando-as muito mais irritadas. E com razão. Já tem problemas suficientes, por que vai ser tolerante com quem atormenta mais ainda suas vidas?

Em vez de ganhar a opinião pública e construir uma imagem favorável à sua bandeira, as lideranças do movimento vão na direção contrária. Utilizam-se da violência de forma generalizada contra representantes públicos, contra o patrimônio público e privado. Convivem muito bem com black blocs, como se fossem almas gêmeas.

Estranhamente, contam com a complacência de setores de nossa intelligentsia e da dita esquerda. Talvez tais segmentos ainda se deixem encantar pela tese de que a “violência é a parteira da história”. Só isto explica tanta omissão e conivência.

Não percebem, contudo, de onde vem o tiro e nem o calibre do perigo, para usar um verso genial dos Paralamas do Sucesso.

As manifestações selvagens alimentam ainda mais o caldo de cultura do autoritarismo que vai se espraiando pela sociedade. A cada depredação, a cada vandalismo, também cresce o número de pessoas que clama pelo fim da baderna.

É bom o MPL tomar juízo. 2016 não é 2013.


*Hubert Alquéresé professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

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