"Não dá mais para esperar", artigo de Aloysio Nunes Ferreira


Folha de S.Paulo

Já passa da hora de o Brasil ter uma lei sobre guarda de dados pessoais. O país precisa regulamentar o uso indiscriminado de informações coletadas, tratadas e armazenadas na rede e fora dela.

Diversas nações têm legislações a esse respeito –Canadá, Estados Unidos, Argentina, México, Colômbia, Chile, Paraguai, Uruguai e Peru–, inspiradas na Diretiva Europeia (nº 9.546/95), atualmente em revisão. No Brasil, a discussão se arrasta há cerca de dez anos e só voltou à agenda do governo federal por causa do Marco Civil da Internet.
Carvall 

A proposta que garante direitos aos cidadãos que navegam pela rede não foi regulamentada até agora, embora a presidente Dilma a tenha sancionado em abril de 2014.

O Marco Civil da Internet ficou capenga porque a proteção de dados se restringe à internet. Fora dela, há outras normas em vigor, como o Cadastro Positivo e o Código de Defesa do Consumidor, mas limitadas. É urgente mudar isso. Lamentavelmente, não são raros os casos de violação de privacidade.

Quem não se lembra das denúncias de assédio sexual envolvendo funcionários de operadoras de tevê, telefonia e internet?

Em maio, uma jornalista relatou em uma rede social ter sido assediada por funcionário de operadora de TV por assinatura. Após oferecer um pacote de serviços, ele passou a importuná-la por meio de um aplicativo de mensagens por celular. A empresa o demitiu por causa da ampla repercussão do caso, mas não resolveu o problema.

Outro caso diz respeito à manipulação de informações de 700 mil usuários por uma rede social para um estudo científico sobre contágio emocional, sem informá-los ou pedir autorização.

Cientistas de duas universidades americanas averiguaram se as mensagens positivas ou negativas lidas pelos membros da rede influenciavam o que publicavam. Um pedido de desculpas foi a resposta, e também não resolveu o problema.

A solução está na aprovação de uma lei geral de proteção de dados pessoais. O cidadão tem direito de ser informado sobre o uso que se faz de seus dados por qualquer instituição, desde financeira a redes sociais.
Outro direito imprescindível ao cidadão é a exigência de autorização inequívoca para uso, guarda e tratamento e exclusão de informações pessoais em bases de dados após o término de contrato.

Não há lei geral de dados sem preservar a ideia de consentimento. E tem que ser punido quem desrespeita a privacidade.

Empresa que infringir o sigilo dos dados pessoais ou permitir desvio de conduta de empregados ao acessá-los pode ser multada em até 5% de seu faturamento total, e ainda corre o risco de ser proibida de usar seu banco de dados.

E é obrigação das companhias informar o cidadão em caso de vazamento ou acesso não autorizado a dados pessoais, além de notificar autoridades públicas.

O então senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), hoje ministro do Tribunal de Conta da União, o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e a CPI da Espionagem formularam projetos convergentes para preencher esse vazio no direito brasileiro. Relator das três proposições, apresentei um substitutivo com o que há de melhor em cada uma. O texto foi aprovado nesta terça (13) na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado e segue agora para outras comissões da Casa.

É urgente aprovar uma lei que não se revele ultrapassada.

Se na década de 70 havia o temor de o Estado vigiar os cidadãos, e na de 90 o medo de as empresas monitorarem seus passos, agora, com a ubiquidade da internet, há risco de vazamento de qualquer informação, de um número de cartão de crédito a um dado genético, e as consequências são incomensuráveis.

*ALOYSIO NUNES FERREIRA, 70, é senador (PSDB-SP)


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