José Dirceu, ‘Número 2′ do governo Lula sentará no banco dos réus como líder de núcleo político do PT


Contratos de consultorias, incompatibilidade patrimonial, pagamentos de obras e jato integram rol de provas que embasarão abertura de ação penal, por juiz da Lava Jato, contra ex-ministro José Dirceu, que despachava ao lado do gabinete presidencial

Fausto Macedo, Ricardo Brandt e Julia Affonso - Folha.com


Contratos de falsas consultorias com empreiteiras do cartel acusado de fraudar obras na Petrobrás, incompatibilidade patrimonial, aquisições e reformas de imóveis suspeitas, notas, ligações, visitas, trocas de mensagens e confissões de pelo menos cinco réus formam o arcabouço de provas que servirão para a Justiça Federal colocar o ex-ministro e ex-presidente nacional do PT José Dirceu no banco dos réus, no âmbito dos processos da Operação Lava Jato – maior escândalo de corrupção já descoberto no Brasil.

O juiz federal Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal em Curitiba – onde estão os autos em primeira instância da Lava Jato -, aceita a primeira denúncia criminal contra Dirceu por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, entre esta quinta-feira, 10, e amanhã, 11.


Dirceu ocupou a sala ao lado do gabinete presidencial entre 2003 e 2005, quando saiu do governo alvo das denúncias do mensalão. Dez anos após, o Ministério Público Federal agora aponta que mensalão e o esquema alvo da Lava Jato no Petrobrás são a mesma coisa.

Além de Dirceu – ex-presidente do PT entre 1995 e 2002 -, outras figuras do partido que orbitaram o caso mensalão sentam no mesmo banco dos réus, alvo da Lava Jato: o ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto e o lobista Fernando de Moura.

O primeiro processo contra um medalhão do esquema do PT é um tiro certeiro que os investigadores da Lava Jato acreditam ter dado para chegar a outros nomes do partido envolvidos na corrupção sistematizada que teria vigorado no governo federal a partir de 2003, com apoio de aliados e participação da oposição.

O ex-ministro da Casa Civil é apontado como um dos líderes de um dos núcleos políticos alvos da Lava Jato ligado ao PT. Pelo esquema, o partido da presidente Dilma Rousseff, com os aliados PMDB e PP, fatiaram cargos na Petrobrás e sistematizaram, em conluio com empreiteiras que se cartelizaram, um esquema de arrecadação de 1% a 3% em propina, em troca de contrato dirigidos e superfaturados.

O esquema, que teve sua gênese na Petrobrás – maior caixa de investimentos do governo federal -, teria sido sistematizado em outras áreas, como setor de comunicação e publicidade, Ministério do Planejamento, Ministério da Saúde, Eletrobrás, Caixa Econômica Federal, entre outros.

O procurador da República Deltan Dallagnol, um dos membros da força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal, defende pena superior a 30 anos para o ex-chefe da Casa Civil no governo Luiz Inácio Lula da Silva. “A nossa expectativa é que uma pessoa que pratica crimes tão graves e lesiona tanto o nosso País tenha uma pena sim superior a 30 anos.”




Petrobrás. Na estatal petrolífera, onde os investimentos foram canalizados no início do governo Lula para a construção de refinarias e aquisições, o reduto de Dirceu era a Diretoria de Serviços.

Seria ele o padrinho político da indicação e sustentação do então diretor, Renato Duque – sugeridos pelo lobista Fernando de Moura, pelo ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira e pelo empresário Licínio Machado, da Etesco.

“Mais tarde, conforme elucidado ao longo das investigações da Operação Lava Jato, essa nomeação veio a revelar o seu preço. Duque, anuindo e auxiliando o funcionamento de um gigantesco cartel de grandes empreiteiras que operava em desfavor da Petrobrás, passou a receber vantagens indevidas desses empreiteiros, por intermédio de operadores como Milton e Julio Camargo, e a destinar grande parte desse valor para os integrantes do núcleo político que o alçaram ao poder e que permitiam que lá ele permanecesse, notadamente Dirceu, Fernando Moura e Vaccari”, sustenta a denúncia do MPF.

Entre os operadores de propina, três nomes são elos fortes encontrados pela Lava Jato contra Dirceu. Milton Pascowitch, Julio Gerin Camargo e Adir Assad, os três operadores que atuavam em nome de empresas na Diretoria de Serviços. Foi Pascowitch, por exemplo, que custeou a compra e a reforma de imóveis do ex-ministro, bem como a aquisição de quadros para o ex-diretor e apadrinhado Renato Duque.

“Restou devidamente atestada ao longo das investigações encetadas na Operação Lava Jato, especialmente a partir dos dados oriundos de afastamentos de sigilos fiscal, bancário e telemático, itens apreendidos a partir de busca e apreensões, depoimentos colhidos, notadamente de réus colaboradores, além de outros elementos (…), a existência de uma ramificação da organização ora denunciada, que atuava no âmbito da Diretoria de Serviços da Petrobrás, lançando mão aos serviços do subnúcleo operacional comandado por Milton, com o objetivo de obter, direta e indiretamente, e mediante a prática reiterada de delitos diversos, vantagens ilícitas em detrimento dessa estatal.”


Frentes. Dirceu é acusado de ser uma pessoa próxima do poder político que, como Vaccari, “utilizando-se de suas agremiações partidárias, indicavam ou davam suporte a indicação e mantinham funcionários de alto escalão da Petrobrás, em especial diretores, recebendo vantagens indevidas pagas pelas empresas cartelizadas (componentes do núcleo empresarial) contratadas pela sociedade de economia mista”.

O ex-ministro vai responder nesse primeiro processo aberto contra ele na Lava Jato pelo recebimento de R$ 11,8 milhões em propinas em contratos da Petrobrás e do Ministério do Planejamento. O ex-chefe da Casa Civil é investigado, no entanto, em outras frentes ainda, em fase inicial.

No caso da Petrobrás, há duas linhas de contratos alvos da acusação. Uma delas é pelo recebimento de propina da construtora Engevix, por meio do lobista Milton Pascowitch e de seu irmão José Adolfo – ambos delatores da Lava Jato. A empresa atuou em obras de refinarias, gasodutos e também no setor naval – é dona do estaleiro Rio Grande (RS).
Outra linha envolve contratos de serviços com a Petrobrás, com as empresas Hope, Personal Service RH e Multitek.

No caso da Hope, por exemplo, que tem R$ 3,5 bilhões em contratos assinados com a Petrobrás entre 2007 e 2014 – alguns vigentes até 2017 -, pagava 1,5% do valor bruto constante de planilha do valor faturado dos contratos, “o que significava 3% líquido”. No caso da Personal, a empresa pagava valores fixos mensais, apurados de acordo com cada contrato.

“Esses recursos somavam uma média de R$ 500 mil mensais, alcançando R$ 700 mil a R$ 800 mil”, sustenta o MPF.

Para ocultar esses valores, o MPF acusa Dirceu de ter lançado mão de pelo menos quatro expedientes. Além de passar a receber via consultorias da JD Assessoria e Consultoria – que recebeu R$ 39 milhões entre 2005 e 2013 -, o ex-ministro teria usado compras e reformas de imóveis, recebimentos em espécie mensais e compra e custeio de um jato de luxo.

O processo é o primeiro de outros que virão. A corrupção nas obras da Refinaria Abreu e Lima, por exemplo, paga pela Camargo Corrêa, ainda não foi alvo de acusação contra Dirceu, apesar de a JD ser elencada entre as consultorias pagas pela empreiteira para ocultar propinas.

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