"Desleixo e improvisação", editorial do Estadão

 
O Estado de S.Paulo


As restrições feitas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) a vários e importantes projetos do atual governo municipal – e por culpa exclusiva deste – devem ser particularmente incômodas para o prefeito Fernando Haddad, porque o impedem de usar o argumento fácil e enganador de que se trata de má-fé da oposição. As objeções são de ordem puramente técnica e, para piorar ainda mais as coisas para Haddad, muitas delas partem de conselheiros insuspeitos de ter má vontade com ele, entre os quais um que ocupou importante Secretaria em seu governo.

O mais recente caso de uma lista que não para de crescer é a suspensão pelo TCM do projeto de Parceria Público-Privada (PPP) para a reforma do sistema de iluminação pública da cidade, com a troca das atuais lâmpadas por outras do tipo LED. A mudança proposta é correta, pois vai acarretar economia de 50% no consumo de energia. O problema é a qualidade técnica do projeto, muito mal elaborado, a julgar pelas restrições feitas a ele pelo conselheiro encarregado de seu exame. Ele é ninguém menos que João Antônio, ex-vereador pelo PT e ex-secretário de Relações Institucionais de Haddad.

A importância do projeto contestado em vários pontos é indiscutível, não só pela sua natureza como pelo seu custo – R$ 7,2 bilhões ao longo de 20 anos. A empresa vencedora da licitação, a ser realizada quando forem corrigidas as falhas apontadas, fará a troca das lâmpadas com base nos recursos provenientes de taxa já cobrada nas contas de luz – a Contribuição para Custeio da Iluminação Pública (Cosip) –, atualmente em torno de R$ 5. O lucro da empresa, que também terá a obrigação de ampliar a rede de iluminação, virá da diferença entre o valor da Cosip e os custos de operação.

João Antônio levantou nada menos que 12 questões sobre as quais pede precisões e esclarecimentos, entre elas a exigência de um patrimônio líquido de R$ 420 milhões das empresas interessadas – o que obriga as menores a participar apenas em associação com outras – e a decisão de não dividir o serviço em lotes diferentes. Outro ponto que desequilibraria a concorrência é a participação da AES Eletropaulo. Como concessionária do serviço de fornecimento de energia para a cidade, ela conhece melhor a real situação do parque elétrico e, por isso, levaria vantagem.

Em nota, a Prefeitura defende seu projeto, afirma que já prestou os esclarecimentos solicitados sobre cada uma das questões levantadas e que continua à disposição do TCM. O problema não é tão simples como o governo Haddad sugere, bastando para resolvê-lo o encaminhamento de informações sobre os pontos contestados, porque este não é um caso isolado. Ao contrário, ele integra uma longa série que aponta para um padrão de comportamento marcado por graves falhas técnicas, inaceitáveis principalmente em projetos de grande importância.

Com a PPP da iluminação, já são 13 os projetos contestados e suspensos pelo TCM nos dois anos e meio do governo Haddad, como mostra reportagem do Estado. Eles tratam um pouco de tudo, mas os referentes à construção de corredores de ônibus são os melhores exemplos dessa mistura de desleixo e improvisação. Ainda recentemente, o TCM suspendeu pela terceira vez – isso mesmo – duas licitações para essas obras, estimadas em R$ 1,2 bilhão, porque foi detectado por uma auditoria sobrepreço de R$ 47 milhões. Além de erros primários como falta de documentos e divergências sobre data-base para a coleta de preços de referência.

Em dezembro do ano passado, já havia sido suspensa a construção de corredores com custo estimado em R$ 2,4 bilhões. Como essas vias segregadas são um dos raríssimos projetos da atual administração realmente importantes para a melhoria do serviço de ônibus, fica claro que Haddad não cuida bem das coisas sérias, mesmo as que em princípio deveriam interessar-lhe, preferindo as faixas exclusivas e as ciclovias – a maior parte destas sempre às moscas –, sem grande valor, mas de efeito imediato e brilho enganador.

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