"Demora escandalosa", editorial do Estadão


O Estado de S.Paulo


Com muito atraso, a presidente Dilma Rousseff resolveu enfim cortar alguns bilhões dos gastos previstos para o próximo ano. Nem assim o governo conseguirá alcançar a nova meta anunciada para 2016, de cerca de R$ 65 bilhões de superávit primário, dinheiro para pagar uma parte dos juros da dívida pública. Mas, como demonstração de boas intenções, a promessa de corte deve ser um argumento para justificar, moralmente, algum aumento de impostos. Mas esse compromisso é mais uma prova de irresponsabilidade e incompetência. Em apenas dois dias, sábado e domingo, a equipe ministerial definiu, com a chefe de governo, um valor aproximado para a redução da despesa: R$ 26 bilhões.

Se isso foi possível em um fim de semana, fica ainda mais difícil justificar o atraso da decisão.

A demora é escandalosa. Em abril o Executivo mandou ao Congresso a proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com previsão de superávit primário de R$ 104,55 bilhões para o governo central e de R$ 126,73 bilhões para o total do setor público. Esta soma seria equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Sem esperar aprovação da LDO, o governo teria pouco mais de quatro meses para trabalhar no projeto de lei do Orçamento-Geral da União. Nesse intervalo o quadro econômico piorou e em 31 de agosto a presidente mandou ao Legislativo uma proposta com previsão de déficit primário de R$ 30,5 bilhões. A equipe já havia reduzido as metas para este e para o próximo ano, mas ainda mantendo números positivos. Uma sequência de desastres – vários terremotos, por exemplo – poderia justificar a repentina admissão do buraco fiscal, mas nada disso ocorreu.

Só a presidente Dilma Rousseff e seus conselheiros econômicos e políticos parecem ter sido surpreendidos pelo rebaixamento do Brasil ao grau especulativo, anunciado na quarta-feira passada pela agência Standard & Poor’s (S&P).

A data foi imprevista, mas nenhum conhecedor da economia brasileira – e do estilo de ação consagrado no Palácio do Planalto – poderia espantar-se. Em julho a S&P havia rebaixado a perspectiva da nota de crédito soberano do País. Foi um aviso claro, exceto para o governo. A presidente e seus ministros devem tê-lo ignorado ou considerado irrelevante.

Erraram, portanto, mais uma vez.

Nesta segunda-feira, em Nova York, a especialista Lisa Schineller, diretora-gerente de ratings da S&P, chamou a atenção para a piora das condições brasileiras, a partir de julho, e para as falhas da administração nos últimos meses.

“Não vimos uma condução firme da política econômica”, disse a economista, ao explicar mais uma vez a decisão de retirar do Brasil o grau de investimento, o rótulo de país confiável.

A advertência foi tão inútil quanto as ponderações de analistas nacionais e estrangeiros. Sem coragem para formular um programa austero, o governo mandou ao Congresso um projeto com aumentos de 9,8% para o salário mínimo e de 5,5% para os vencimentos do funcionalismo federal. O problema da folha salarial só entrou na pauta de discussões do Executivo depois do rebaixamento dos títulos do Tesouro à condição de junk bonds, isto é, de papéis tão seguros quanto lixo. Houve resistência ao assunto, embora a crise econômica e política impusesse pelo menos uma encenação de seriedade.

O desafio imediato para o governo é evitar o rebaixamento do Brasil por mais alguma agência de classificação de risco.

Para afastar ou diminuir essa ameaça, a presidente e sua equipe terão de mostrar iniciativa na busca da correção das contas públicas. A tentativa de jogar para o Congresso o custo político de propor cortes de gastos e aumentos de impostos fracassou. O Executivo terá de tomar a dianteira e de carregar sua responsabilidade. Mas a proposta de ressuscitar o imposto do cheque, a CPMF, torna o debate mais complicado. Ao retardar o exame dos cortes orçamentários, a presidente e seus auxiliares confirmaram seu déficit de seriedade. A proposta de corte formulada num fim de semana comprovou a possibilidade de uma política mais austera. Falta avançar nesse rumo.

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