"A advertência de Dilma", editorial do Estadão


O Estado de S.Paulo


A petista Dilma Rousseff considera que, por ocupar a cadeira presidencial, representa a democracia em pessoa. Essa ideia exótica foi reafirmada pela mandatária em entrevista coletiva recente, na qual qualificou um eventual processo de impeachment contra ela como se fosse um atentado ao próprio regime democrático. Mas Dilma foi mais longe. Informou aos brasileiros que fará “tudo” para impedir que avance o impeachment – que ela disse ser um “processo não democrático”.

A ameaça de fazer “tudo”, para uma presidente que, na campanha à reeleição, empenhou-se em fazer “o diabo” – palavras dela – para vencer, pode significar exatamente o que parece à primeira vista. Isto é, “tudo” quer dizer que nada está descartado, se o objetivo é salvar a tal “democracia”, que é o nome que Dilma dá a seu mandato. Mesmo sem ter um pingo de apoio nem mesmo dos movimentos sociais que formam a base do PT – portanto, sem poder contar com o “exército do Stédile”, como o ex-presidente Lula qualificou o raivoso MST –, a presidente acredita ter cacife para advertir o País sobre sua disposição de se agarrar ao poder.

Para justificar o clima de tudo ou nada, a petista caprichou na dramaticidade, ao dizer que “o governo está atento a todas as tentativas de produzir uma espécie de instabilidade profunda no País”. Segundo a presidente, a oposição, chamada por ela de “esse pessoal”, aposta no “quanto pior, melhor”, como se fosse possível piorar aquilo que seu desastroso governo já fez e lamentavelmente ainda pode fazer ao País.

Quando se tem esse nível de desrespeito por políticos eleitos pelo voto direto e que exercem seu legítimo direito de fazer oposição ao governo e pelos cidadãos dos quais emana o poder de eleger representantes, pode-se concluir que a “democracia” que Dilma diz defender é mesmo de uma natureza muito diversa daquela consagrada pela letra constitucional. Esse flerte com a autocracia, claramente expresso quando a presidente se confunde com a própria democracia e considera ser um “golpe” o processo absolutamente legal que pode afastá-la do cargo, fica ainda mais evidente quando Dilma ameaça agir sem peias para salvar seu mandato.

“O Brasil, a duras penas, conquistou uma democracia. Eu sei o que estou dizendo. Eu sei quantas duras penas foi (sic) para conquistar a democracia”, declarou Dilma, em sua linguagem peculiar, mais uma vez invocando seu passado de guerrilheira como uma espécie de ativo moral para dizer que ela sim, pelo que passou, sabe o que é uma verdadeira democracia.

Ora, com todo o respeito pela história de sofrimento da presidente, sabe-se muito bem que Dilma não lutava pela democracia quando enfrentou o terror dos porões da ditadura. O objetivo do grupo ao qual ela devia lealdade era instalar uma ditadura de esquerda. E hoje a democracia pela qual Dilma e os petistas dizem lutar – a julgar por sua insistência em ver “golpe” onde só há legítima articulação política entre a oposição parlamentar e a sociedade e um processo conduzido por um Judiciário independente – parece ser somente aquela que lhes garanta a permanência no poder.

Nem sempre foi assim, é claro. Quando estava na oposição, o mestre político de Dilma e demiurgo petista Lula da Silva deu uma entrevista a um programa de TV na qual celebrou o impeachment de Fernando Collor de Mello, ocorrido quatro anos antes. Vale a pena revisitar suas declarações: “O que foi gratificante, para mim, foi saber que aquilo que nós tínhamos denunciado durante a campanha foi provado três anos depois. Tudo aquilo que aconteceu nós denunciávamos durante a campanha. Não apenas nós. Uma parte da imprensa denunciava, intelectuais denunciavam, artistas denunciavam... Foi uma pena que precisou de três anos para provar. Pela primeira vez na América Latina, o povo brasileiro deu uma demonstração de que é possível o mesmo povo que elege um político destituir esse político. Peço a Deus que nunca mais o povo brasileiro esqueça essa lição”.

Lula pode ficar tranquilo. Os brasileiros não esqueceram.

Comentários