"Um retrato de Haddad", editorial do Estadão


O EStado de S.Paulo

O prefeito Fernando Haddad só consegue impressionar – isto é, enganar a plateia com seus dons de prestidigitador – quando trata de questões secundárias, vestidas com roupas extravagantes, como é, para citar apenas o exemplo que continua em evidência, a das ciclovias, tal como foram concebidas pelo seu governo, de forma torta e equivocada. Já quando o assunto é sério, como é a construção de corredores de ônibus, a coisa muda de figura e ele se atrapalha todo, por incompetência ou porque não considera o problema com a devida seriedade.

O Tribunal de Contas do Município (TCM) acaba de suspender, pela terceira vez, duas licitações para a construção de corredores de ônibus, porque uma auditoria indicou sobrepreço de R$ 47 milhões e risco de pagamento indevido de R$ 69 milhões. A medida atinge três corredores cuja extensão chega a 44,4 km e têm custo estimado de R$ 1,2 bilhão.

Fazem parte dessas obras dois trechos do Corredor Perimetral Itaim Paulista/São Mateus, de 18 km; um trecho do Corredor Radial Leste, de 9,6 km; e dois trechos do Corredor Perimetral Bandeirantes/Salim Farah Maluf, de 16,6 km; além da construção de um terminal de ônibus em São Mateus.

Além das irregularidades apontadas, o TCM questiona outros itens de natureza formal, como falta de documentos e divergências sobre data-base para a coleta de preços de referência. O conselheiro responsável pela decisão é João Antônio, ex-vereador pelo PT e ex-secretário de Relações Institucionais de Haddad. Isso impede tanto o prefeito como seus auxiliares ou integrantes de sua bancada na Câmara Municipal de alegar má vontade política por parte do TCM.

“Eu até estranhei e liguei para o conselheiro e perguntei se era alguma coisa insuperável. Ele me disse que não, que são só alguns esclarecimentos, que talvez a gente tenha de fazer um ajuste ou outro no edital, mas nós entendemos que é tecnicamente superável”, afirmou Haddad, tentando minimizar a importância do caso.

As coisas não são tão simples e banais como pretende Haddad. Em primeiro lugar, deve-se partir do princípio de que um conselheiro do TCM – e especialmente esse que cuida do caso em questão – não suspenderia a licitação de obra de tal magnitude, de custo tão elevado e de interesse de um prefeito a quem serviu se não tivesse sólidas razões para tal. Depois, é preciso considerar o histórico do problema.

Em dezembro do ano passado, o TCM já havia suspendido a licitação para a construção de corredores, obra de custo estimado em R$ 2,4 bilhões, entre outras razões – segundo o presidente da Corte, conselheiro Edson Simões – pela falta de recursos orçamentários comprovados. No começo de 2014, uma licitação anterior referente a corredores, essa de valor mais elevado, de R$ 4,7 bilhões, já havia sido suspensa pela mesma razão, além de projeto básico incompleto e falta de especificação técnica.

São erros elementares, como pode constatar qualquer leigo minimamente informado. Isso e mais a insistência neles são uma clara indicação de que houve descaso na elaboração desses projetos. Outros projetos tiveram o mesmo destino e, somados, o valor chega a quase R$ 6 bilhões. Esses são fatos que provam não haver exagero nas afirmações de que o governo Haddad prima pela improvisação e a ligeireza no tratamento das questões de real interesse para a cidade.

De todas as suas propostas para melhorar o transporte coletivo, a única realmente séria e consistente é a construção de corredores de ônibus, uma obra de utilidade já testada. Pois é justamente ela que vem sendo tratada sem os cuidados necessários e, por isso, barrada repetidamente pelo TCM.

Ao mesmo tempo, o brilho fácil e enganador das faixas exclusivas e das ciclovias, implantadas a toque de caixa, sem base em estudos técnicos, recebe toda a atenção e elas são apresentadas, sem medo do ridículo, como uma transformação revolucionária no sistema de transporte da cidade. Esse talvez seja o melhor retrato de um governo só de aparências pelo qual São Paulo vai pagar caro.

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