"Bota na conta do sistema?", artigo de José Padilha


Folha de S.Paulo

Era evidente, antes mesmo das eleições, que um segundo governo da Dilma Rousseff não teria futuro. A economia dava claros sinais de que entraria em recessão e os indícios da corrupção sistêmica eram inequívocos. A crise institucional que vivemos estava escancarada, precisando apenas da confirmação das urnas para se instalar de vez.
Veridiana Scarpelli 

Foi nesse contexto que diversos formadores de opinião optaram por declarar apoio à chapa PT/PMDB. Ou porque ainda compravam o fiador dessa união, Luiz Inácio Lula da Silva, ou porque se viam como defensores da esquerda, inimigos do PSDB e da direita conservadora que ameaçava voltar ao poder.

Ajudaram a reconduzir ao poder um dos grupos políticos mais corruptos de que se têm notícia na história das democracias ocidentais. Eu sei, a alternativa não era lá essas coisas. A direita brasileira é de matar. O PSDB é difícil de engolir. Mas isso, evidentemente, não altera o que aconteceu depois das eleições.

Agora, confrontados pelos fatos, alguns desses formadores de opinião reconhecem o erro de avaliação e se dizem decepcionados. Uma atitude nobre, mas que ainda me soa um tanto quanto acanhada.

Isso porque, embutido no discurso dos arrependidos, nos é oferecida uma narrativa ingênua a respeito de Lula e do PT, narrativa que têm como objetivo redimir o "erro" de avaliação cometido.

Refiro-me à ideia de que o PT se corrompeu ao entrar em contato com a velha política, pois não tinha maioria no Congresso e precisava de base parlamentar para viabilizar o primeiro mandato de Lula. Nesse cenário, quem apoiou o PT desde o princípio apoiou a ética.

O problema foi que, com o tempo, a velha política corrompeu os "nossos heróis" e transformou ética em bandalheira. Nesse cenário, antes de ser algoz dos contribuintes, o PT teria sido vítima do sistema. Visto dessa forma, até que o pecadilho do PT não é tão grave assim. Afinal, se gente pura como Lula, Dirceu e companhia não conseguiu resistir às tentações de Brasília, quem conseguiria resistir?

Ora, parece-me claro que os dados disponíveis não sustentam essa tese. Sabemos que a corrupção existia em diversas prefeituras do PT bem antes da primeira eleição de Lula, mesmo em cidades onde o partido tinha maioria legislativa.

Foram várias as denúncias até que, em 2002, Celso Daniel foi executado. Em 2005, o senador Paulo Paim (PT-RS) fez um discurso admitindo que havia corrupção em prefeituras do partido embora, dizia, fosse corrupção incipiente. Será?

A corrupção de hoje é tão volumosa, atinge tantas figuras com importância histórica no partido e se instalou de forma tão rápida no primeiro mandato de Lula que é razoável supor que tenha nascido de forma independente e diversa da corrupção que já existia em Brasília.

Lembro ao leitor que vários sindicatos foram vitimados pela corrupção no mundo. Vide a relação entre os sindicatos e a máfia na Itália, a política sindical do leste europeu e a história dos Teamsters, sindicado de caminhoneiros, nos EUA. Será que CUT e PT já tinham a corrupção presente em suas culturas antes mesmo de o PT conquistar a primeira prefeitura? Ou será que foi nas prefeituras que saiu o primeiro pixuleco? Não sei, mas gostaria muito de saber.

A política brasileira está corrompida de forma generalizada. Municípios, Estados e governo federal. Não foi o PT quem criou esse estado de coisas. Mas sabemos também que com a entrada do PT no sistema a corrupção subiu de patamar. O que explica esse fenômeno?

Suspeito que para entendê-lo corretamente, antes precisamos encarar com sinceridade a seguinte pergunta: vem cá, de onde mesmo foi que veio a corrupção do PT?


*JOSÉ PADILHA, 48, cineasta, é diretor de "Ônibus 174", "Tropa de Elite" e "Tropa de Elite 2"

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