"Pedaladas indefensáveis", editorial do Estadão



O Estado de S.Paulo


Diante da gravidade das irregularidades encontradas na prestação de contas do governo Dilma Rousseff, o Tribunal de Contas da União (TCU) concedeu prudentemente à presidente o prazo de 30 dias para que apresentasse seus esclarecimentos. No entanto, a defesa apresentada no dia 22 ao TCU pouco esclareceu. Ou melhor, esclareceu muito, ao confirmar a impressão que já pairava no ar – o governo não tem nenhum argumento sólido para refutar o fato de que as “pedaladas fiscais” infringem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Assusta a fragilidade da defesa do governo Dilma Rousseff. Simplesmente afirma à exaustão – como se a repetição tivesse o condão de transformar qualquer coisa numa verdade absoluta – que as “pedaladas fiscais” praticadas por seu governo já ocorriam no governo FHC e que, portanto, o TCU não poderia agora – num “juízo político” – rejeitar suas contas. Mesmo num arrazoado de mais de mil páginas, o governo Dilma Rousseff não conseguiu comprovar que o governo FHC também teria praticado semelhantes pedaladas fiscais com a complacência do TCU.

A defesa de Dilma Rousseff ignora fatos históricos recentes, conhecidos de todos. Foi exatamente o governo FHC quem propôs ao Congresso a LRF, e foi exatamente o PT quem lutou contra sua aprovação. Afinal, o PT nunca aceitou bem essa história de responsabilidade nos gastos públicos, de que as despesas devem se adequar às receitas. Só que agora não se trata de um debate parlamentar – trata-se de respeitar uma lei que está em vigor e obriga a todos, sem exceções.

O governo Dilma Rousseff não conseguiu demonstrar que suas “pedaladas” não constituem infração legal. Esse é o grande ponto, para o qual as mais de mil páginas da defesa são inúteis. Apesar do hercúleo esforço, o governo não conseguiu descaracterizar a ilegalidade das pedaladas, que em pleno ano eleitoral obrigou bancos oficiais a custear benefícios sociais como o Bolsa Família sem o prévio provimento desses recursos pelo Tesouro. E é exatamente esse tipo de operação – o financiamento do governo por uma instituição oficial de crédito – que a LRF proíbe, tipificando-a como crime fiscal.

O documento apresentado ao TCU revela um governo em desespero, que apela para interpretações frontalmente contrárias ao que determina o ordenamento jurídico. Por exemplo, o governo alega que “na administração pública, inclusive nas atividades de controle e fiscalização, a sujeição ao princípio da legalidade constitui verdadeira bússola de atuação, pois não há espaço para liberdades ou mesmo vontade particulares, mesmo que passageiras”. Ora, é exatamente o princípio da legalidade – o imperativo que obriga o respeito à lei por todos, igualmente – que leva o TCU a questionar as “pedaladas fiscais” de Dilma. Se o governo Dilma tivesse como bússola de sua atuação o princípio da legalidade, nada teria a temer e não precisaria batalhar pela “modulação temporal” dos efeitos da lei – que é o que postula a defesa –, como se o TCU tivesse o poder de suspender a aplicação de lei vigente no País.

Também chamam a atenção as inversões bem pouco técnicas a respeito do “princípio da segurança jurídica”. O governo afirma que “essa mudança de interpretação dos fatos causa demasiada surpresa ao Poder Executivo”. O governo se surpreende, no entanto, com o que não existe. Não houve qualquer mudança de interpretação dos fatos nem qualquer mudança na interpretação da lei. E isso bem sabem os defensores de Dilma Rousseff, que até agora não apontaram nenhuma decisão do TCU que aprovasse “pedaladas fiscais”.

O governo não pode se queixar de falta de tempo para apresentar uma defesa consistente. Não o fez porque não pôde. Optou por ficar na mera alegação de que tudo o que fez ocorria desde sempre – desde o governo FHC – e nunca foi contestado. Uma defesa bem política, mas nada técnica.

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