"O uso político da crise na Santa Casa", artigo de Pedro Tobias


Folha de S.Paulo

A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, maior hospital filantrópico do Brasil, vive a principal crise de sua história, fruto de problemas graves de gestão que culminaram com a troca de toda a sua cúpula, incluindo o provedor.

Segundo o Ministério Público, há claros indícios de malfeitos, que justificaram o pedido de quebra de sigilo bancário, fiscal e dos cartões de crédito de 22 pessoas físicas e jurídicas ligada ao corpo gestor da instituição.

Auditoria contratada pela Secretaria de Estado da Saúde apontou que o patrimônio da Santa Casa derreteu desde 2009. Foram apontadas falhas como contratos desfavoráveis com prestadores de serviço, excesso de funcionários por leito e má gestão do patrimônio imobiliário da Irmandade, com imóveis alugados por preços até 81% abaixo do valor de mercado.

Além disso, ficou comprovado que a Santa Casa tinha R$ 6,4 milhões aplicados, resgatáveis a qualquer momento, no dia 22 de julho do ano passado, data em que o antigo provedor da instituição decidiu intempestivamente, e sem avisar a população, fechar o pronto-socorro do Hospital Central.

É uma triste e delicada situação, que terá de ser enfrentada com muito empenho e profissionalismo pelos novos integrantes do corpo diretivo, para reerguer uma instituição centenária, resgatando sua credibilidade e qualidade na assistência como centro de excelência da rede pública de saúde.

Mais triste ainda foi assistir ao lamentável uso político-eleitoreiro deste episódio por parte do ministro da Saúde, Arthur Chioro, que, espertamente, para lançar uma cortina de fumaça no real problema da saúde brasileira, que é o subfinanciamento da saúde por parte do governo federal, acusou falsamente o governo do Estado de São Paulo de Paulo de ter deixado de repassar recursos da União destinados à Santa Casa.

Tese que ele defende até hoje, mesmo que o relatório final da auditoria feita pelo Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS), órgão do Ministério comandado por Chioro, divulgado no último mês, inocente o governo do Estado das ilações e acusações levianas feitas pelo ministro.

O relatório do órgão federal, disponível na Internet, chegou à conclusão de que o governo de São Paulo não cometeu nenhuma irregularidade nos repasses de recursos federais para a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

A auditoria realizada com base no período de 2004 a 2014, mostrou que os valores disponibilizados pelo Ministério da Saúde foram integralmente repassados pela Secretaria de Estado da Saúde à instituição filantrópica, em conformidade com os convênios firmados com a Santa Casa.

O documento aponta que, a partir de 2010, o valor global do contrato com a Santa Casa esteve inferior ao valor da somatória dos incentivos federais e da produção aprovada do hospital.

Mas a explicação para a diferença consta do próprio relatório do Denasus. Em 2010, atendendo a uma recomendação do Tribunal de Contas da União, a Secretaria promoveu uma mudança no teto financeiro de alta e média complexidade de Santa Casa, que foi reduzido de R$ 19.731.685,02 em verbas federais para R$ 11.355.655,52 por mês.

No entanto, conforme a auditoria, a Secretaria firmou um termo aditivo ao convênio com a Irmandade e passou a conceder R$ 8,3 milhões mensais com recursos do tesouro estadual.

"Portanto, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo manteve os valores até então percebidos no mesmo montante, cabendo afirmar que não há razão para se falar em redução de teto financeiro de Assistência ou mesmo de retenção de valores, fato este comprovado nos quadros de valores repassados a instituição", diz o relatório de auditoria.

"A instituição, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo continuou a receber o valor total de R$ 19.731.685,02 por mês, sendo R$ 11.355.655,52 por mês com recursos repassados pelo Ministério da Saúde e R$ 8,3 milhões por mês com recursos próprios do Fundo Estadual.

O documento do órgão fiscalizador do Ministério ainda conclui que, "apesar de se observar que a partir de 2010 o valor global do contrato esteve inferior ao valor da somatória dos incentivos federais e da produção aprovada do hospital, é prerrogativa do gestor local estabelecer o valor a ser contratualizado com os prestadores sob sua gestão".

Em recente entrevista a um canal de TV, Arthur Chioro disse que teve "rolo" nos repasses de recursos federais à Santa Casa pelo governo de São Paulo. Qual foi o "rolo", ministro, que o seu próprio departamento de auditoria não conseguiu enxergar?

*PEDRO TOBIAS, médico, é deputado estadual e presidente do diretório estadual do PSBD em São Paulo

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