Governo Lula fazia gestões políticas no exterior a favor de empreiteiras


Aguirre Talento, Gabriel Mascarenhas e Rubens Valente - Folha.com


O então presidente Lula e seu colega argentino Nestor Kirchner fizeram "uma intervenção decidida" para ajudar a empreiteira Odebrecht a se associar a uma firma argentina com vistas à construção de uma hidrelétrica no Equador.

A informação consta em telegramas de embaixadas brasileiras e do Itamaraty entre 2003 e 2010, material que expõe a ação do governo brasileiro em benefício de empresas brasileiras como forma de ampliar a influência política e econômica do país.

Diplomatas atuaram para ajudar algumas das principais empresas hoje investigadas na Operação Lava Jato.

São 2.136 páginas de telegramas produzidos com grau de sigilo reservado, mas que tiveram a classificação cancelada e foram divulgados pelo Ministério das Relações Exteriores nesta terça (16), a partir de um requerimento da revista "Época" por meio da Lei de Acesso à Informação.

Em 2005, o embaixador brasileiro em Quito (Equador), Sergio Augusto de Abreu e Lima Florêncio Sobrinho, comemorou a ação direta de Lula e Kirchner em prol de uma demanda da Odebrecht, que procurava se associar à empresa argentina IMPSA.

Ele escreveu ao então chanceler Celso Amorim: "Estou seguro de que a flexibilização na postura da IMPSA e a aceitação, por parte da empresa argentina, da proposta de texto elaborado pela Odebrecht não teriam sido possíveis sem a intervenção decidida de Vossa Excelência e dos presidentes Lula e Kirchner".

Sem a concordância da IMPSA, que o embaixador chamou de "intransigente", a Odebrecht não conseguiria assinar um memorando que lhe permitiria participar de uma concorrência para construir a hidrelétrica de Toachi-Pilatón. Segundo os telegramas, a obra estava orçada em "US$ 366 milhões, mas o custo total do projeto é estimado em US$ 452 milhões".

Em outubro de 2007, mostram telegramas, a Odebrecht conquistou o contrato para construção da hidrelétrica, que seria financiada com recursos de um fundo governamental. Em 2008, depois de divergir com o governo local, a empresa deixou o país.

Em 2005, numa conversa sobre a construção da rodovia Interoceânica entre membros do governo do Peru e o embaixador brasileiro em Lima, uma assessora da Câmara de Comércio Exterior rebateu críticas sobre as dificuldades de financiamento para a obra. As condições "em termos muito mais favoráveis que as de mercado [...] somente puderam ser obtidas com base em negociações políticas, no mais alto nível, entre governos", argumentou.

Documentos da embaixada em Argel (Argélia) deixam explícita a estratégia: o governo brasileiro se oferecia para interceder a favor de firmas brasileiras em licitações. Naquele país, o método ajudou principalmente a Andrade Gutierrez e a Odebrecht.

Em 2006, o embaixador Sérgio França Danese relatou ter dito a interlocutores da Odebrecht que poderia mostrar às autoridades argelinas "as vantagens políticas de contar com empresas brasileiras".

"Será a forma de viabilizar o entendimento, oferecido pelo presidente Bouteflika e reiterado pelo chanceler Bedjaoui, de que a Argélia aplicaria também parâmetros políticos para favorecer empresários brasileiros em alguns projetos abertos a licitação internacional", informou o embaixador.

Em outro telegrama, ele cita novamente a ajuda política que o Brasil poderia dar em uma licitação de obra de irrigação no sul do país.

"Se pudermos contar com a participação de duas empresas brasileiras, do porte e com a categoria da Andrade Gutierrez e da Odebrecht, nessa concorrência, certamente teríamos mais chances de fazer valer uma influência política numa decisão que favoreça o Brasil, considerando-se o compromisso assumido nesse sentido pelo presidente Bouteflika junto ao presidente Lula."

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