Consultas em unidades de saúde da prefeitura de São Paulo caíram 21% em 2014


Thais Bilenky - Folha.com


Saindo do centro de SP, fora do rush, um médico que trabalha na unidade de saúde Castro Alves, em Cidade Tiradentes, dirigirá mais de uma hora para atravessar a zona leste. Passará por favelas, ruas com esgoto a céu aberto e até um pasto com vacas. Ao chegar, não se sentirá seguro: queixas de assaltos ou agressões não são raras.

O roteiro ajuda a explicar por que não havia pediatra nesse posto em 91% dos dias do ano passado. Mais do que isso, reflete parte do problema por trás da redução de atendimentos básicos de saúde na cidade no ano passado.

O número de consultas nas AMAs 12 horas (unidades que prestam assistência médica ambulatorial, casos menos complexos) caiu 21% em 2014, no segundo ano de mandato de Fernando Haddad (PT) –foram 5,8 milhões, ante 7,3 milhões no ano anterior.

A principal explicação da prefeitura e de entidades é a falta de médicos, mas também há questionamentos sobre a redução de verbas.

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress 
Silvana Ferreira, 39, reclama da falta de médicos na AMA

Marca do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) na área da saúde, essas 98 AMAs funcionam das 7h às 19h, de segunda a sábado, e são administradas por convênios ou contratos da prefeitura com as chamadas organizações sociais de saúde (OSS).

Elas são uma porta de entrada do SUS e servem como "peneira", para desafogar os prontos-socorros, dispensando os casos mais simples –tendo função diferente das AMAs 24 horas, que atendem urgência e emergência.

O atendimento é voltado à atenção básica, assim como nas Unidades Básicas de Saúde municipais, que fazem consulta com hora marcada.

Mesmo nas UBSs a situação não é animadora. A quantidade de consultas em 2014 se manteve praticamente estável -elas variaram de 7,98 milhões para 7,99 milhões.

O próprio secretário da Saúde, José de Filippi Júnior, porém, aponta a precariedade. Diz que deveria haver 600 UBSs, mas existem 450. "Só que 200 delas não merecem esse nome. Deveriam se chamar CBS, casinhas básicas de saúde", afirma, referindo-se ao número insuficiente de consultórios e profissionais.

RECURSOS

Tanto a gestão Haddad como as entidades atribuem a queda de 1,5 milhão de consultas à falta de médicos –um problema histórico.

Mas há também um impasse recente entre as partes que pode ter agravado a situação.

As organizações sociais se queixam de atrasos e cortes de até 30% de recursos da prefeitura. Dizem que isso teve reflexo na captação de equipes.

Já a gestão Haddad alega que isso é motivado pelo não cumprimento de meta das organizações, que deixam de usar parte dos repasses ao não contratar médicos e, por isso, sofrem descontos. A prefeitura diz que, em 2014, mais de R$ 100 milhões não foram gastos por falta de contratação de equipes pelas entidades.

Nas eleições municipais, parte do PT defendeu a eliminação dessas parcerias na saúde, alegando que são custosas e com fiscalização frágil.

Mas Haddad prometeu mantê-las. Há alguns meses, ele reformulou os contratos com as OSS: antes, previam meta de atendimento, mas não uma equipe mínima; agora, é necessário atender também ao segundo requisito.

Essas AMAs deveriam ter equipe médica com dois clínicos, dois pediatras, um cirurgião geral ou ginecologista, enfermeiros e técnicos.

Na Castro Alves, pacientes saíam reclamando da falta de médicos na última quarta (6). "Nunca tem médico! Por que uns podem [ter acesso a tratamento de saúde] e outros não?", criticou a dona de casa Silvana Ferreira, 39.

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