"Peça de propaganda", editorial do Estadão


O ESTADO DE S.PAULO


O alardeado pacote anticorrupção do governo federal é mais uma mostra de que a presidente Dilma Rousseff não entendeu a voz das ruas. A população não está pedindo mais leis - a população quer que as leis sejam cumpridas. Mas Dilma faz questão de não ouvir. Como já está ficando habitual, ela simplesmente repete o mesmo discurso. "Somos um governo que não transige com a corrupção e temos o compromisso e a obrigação de enfrentar a impunidade que alimenta a corrupção", disse na cerimônia de lançamento do pacote anticorrupção.

O pacote anunciado pelo Palácio do Planalto inclui propostas de alteração na atual legislação - dois projetos de lei, uma proposta de emenda à Constituição e dois pedidos de urgência na votação de projetos já existentes no Congresso - e o decreto que regulamenta a Lei Anticorrupção, bem como a criação de um grupo de trabalho coordenado pelo Ministério da Justiça para estudar formas de acelerar os processos relacionados com a prática de ilícitos contra o patrimônio público.

À primeira vista, a quantidade de medidas pode impressionar. Mas elas não trazem propriamente nenhuma novidade. É simplesmente um jogo de cena, na tentativa de vender uma imagem de rigor contra a corrupção. A imagem, portanto, não se sustenta.

Por exemplo, o Palácio do Planalto pede ao Congresso urgência na votação de dois projetos de lei. Ora, há um bom tempo o governo tem maioria nas duas Casas legislativas, e não se viu nenhum esforço do Palácio do Planalto para dar celeridade a esses projetos. Tarde o governo se apressa.

Pressa, no entanto, que não se viu na regulamentação da Lei Anticorrupção. A lei foi aprovada após as manifestações de junho de 2013 e entrou em vigor seis meses depois. Mas a presidente Dilma Rousseff levou mais de 13 meses para regulamentá-la. O Palácio do Planalto dizia que estava estudando detidamente o assunto que, a seu ver, era complexo e exigia uma longa ponderação. E o que se encontrou no decreto agora publicado? Uma longa e enfadonha repetição do conteúdo da própria Lei Anticorrupção, que a rigor exigia regulamentação apenas do inciso VIII do art. 7.º.

Os projetos de lei anunciados no pacote também estão longe de significar um novo paradigma no combate à corrupção. Como a própria presidente disse, ao comentar o projeto de lei que criminaliza o caixa 2, estamos "transformando esse crime em crime", ou seja, mudando bem pouca coisa.

Ainda que o conteúdo marqueteiro seja explícito em todo o pacote anticorrupção, há um projeto de lei que escancara a finalidade enviesada do Palácio do Planalto. É a proposta para que se exija ficha limpa dos ocupantes de cargos em comissão e de confiança na administração pública direta e indireta, incluindo os diretores de estatais. Em primeiro lugar, chama a atenção a incongruência da proposta com a prática lulopetista nos seus anos de poder no governo federal. Pois o poder público dispõe de meios para avaliar a competência e a honradez de quem vai ocupar cargo na administração. Depois, se a inquilina do Palácio do Planalto não quer ver corruptos ocupando cargos em comissão ou sendo diretores de estatal, basta que ela não os nomeie. No entanto, a presidente Dilma prefere propor uma lei - o resto continua como está.

O pacote anticorrupção contém um grande sofisma. Sendo um conjunto de propostas de mudança da legislação - que na prática pouco mudam -, a presidente Dilma tenta colocar a responsabilidade pelo combate à corrupção nas costas do Congresso, dando a entender que ela já fez a sua parte. É um tremendo equívoco achar que a impunidade reinante no País se deva à falta de leis adequadas. Obviamente, sempre é possível aperfeiçoar a legislação penal, e cabe ao Poder Legislativo fazê-lo. Mas também é verdade que o Poder Executivo pode e deve fazer muito no combate à corrupção. A começar por não estimular a corrupção nem institucionalizá-la, por exemplo, nas estatais - o que, segundo o Ministério Público Federal, o partido da presidente e pessoas por ele indicadas fizeram com grande competência na Petrobrás.

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